São Paulo, domingo, 13 de março de 1994
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EUA não aguentam mais a violência

JAMES BAKER

Quando me candidatei ao cargo de procurador-geral do Texas, em 1978, perguntei aos texanos sobre a onda de criminalidade violenta. Meus programas na TV terminavam com a pergunta: }Já chega?
Desde então, o número de crimes violentos quase dobrou. As estatísticas mostram que hoje 4 em cada 5 americanos serão vítimas de um crime violento uma vez na vida. Houve um crime violento a cada 22 segundos no ano passado. Hoje, os americanos estão prontos para dizer }já chega.
Mesmo o presidente }neodemocrata Bill Clinton está soando muito como um }velho republicano no que diz respeito à criminalidade: mais polícia, penas mais longas, mais prisões. Seu chamado encontra eco junto aos democratas no Senado. Apenas os }velhos democratas da Câmara se interpõem entre a população e a legislação anticriminalidade que ela exige.
O clamor atual contra a criminalidade transcende os ultrajes individuais. O assassinato de Polly Klaas, do pai de Michael Jordan ou a chacina de passageiros da ferrovia de Long Island são apenas sintomas de uma patologia maior que acometeu nossa sociedade.
A criminalidade violenta se transformou em doença infantil. Um terço dos assassinatos de 1990 foram cometidos por pessoas com menos de 21 anos. Os jovens estão sendo cada vez mais atingidos pela criminalidade. A instalação de detectores de metais nas escolas indica até que ponto a sobrevivência se transformou em rito de passagem para os adolescentes.
Os americanos entendem que há algo errado com uma sociedade em que um assassinato acontece a cada 22 minutos, um estupro a cada 5 minutos e um roubo a cada 47 segundos. O clamor contra a criminalidade se tornou tão estridente que mesmo liberais começaram a reagir. Como o presidente, muitos aprenderam a assumir uma posição dura em relação à criminalidade. Alguns deles talvez tenham mudado sua posição porque se deram conta do dano terrível causado por políticas permissivas. Outros modificaram sua posição em relação à criminalidade para evitar o risco de a inércia do governo suscitar furor público.
O }novo consenso lembra estranhamente as plataformas republicanas no que diz respeito à criminalidade. Pela primeira vez em décadas, a palavra }valores começa a ser pronunciada entre democratas educados. A responsabilidade individual, a contenção do comportamento e o respeito pela comunidade foram redescobertos e redefinidos como aquilo que sempre foram: os pré-requisitos para a existência de qualquer sociedade.
As linhas gerais deste novo consenso em relação à criminalidade podem ser encontradas no projeto de lei bipartidário aprovado pelo Senado, que prevê gastos de US$ 22,3 bilhões em cinco anos.
Algumas das medidas chaves do projeto incluem mais policiais. O projeto de lei pede que o governo federal financie 100 mil novos policiais. Nas últimas décadas, o número de policiais mal acompanhou o crescimento da população, muito menos a quase quadruplicação da criminalidade desde 1960.
Em segundo lugar, a implementação de condenações mais duras e a restrição aos livramentos condicionais. Os condenados por crimes violentos cumprem em média apenas 37% de suas penas. A qualquer momento, 75% dos criminosos condenados –cerca de 3 milhões– estão soltos sob sursis ou em condicional.
O projeto de lei sobre criminalidade do Senado aumenta as penas federais e inclui a imposição da prisão perpétua obrigatória, sem possibilidade de livramento condicional, para os criminosos violentos reincidentes –o famoso }três crimes e você está fora.
Em terceiro lugar, a construção de mais prisões. Encarar o aumento das sentenças com seriedade implica encarar com seriedade a necessidade de mais prisões. Manter os criminosos violentos na cadeia custa caro. Mas o custo se torna pequeno em comparação com o custo de deixar estes criminosos em liberdade. A criminalidade custa mais de US$ 650 bilhões anuais. Isto serve para que vejamos na devida perspectiva o modesto pedido do Senado, de US$ 3 bilhões para a construção de dez presídios.
Esses presídios abrigariam criminosos estaduais, que de outro modo talvez tivessem de ser soltos por falta de vagas. Mas uma condição estipulada para que os Estados participem desse programa é que os presídios garantam que o preso cumpra pelo menos 85% da pena.
Este vínculo entre financiamento federal e desempenho estadual é vital, porque 95% da criminalidade violenta é coberta pelas leis estaduais. Para que qualquer }guerra ao crime possa ter chances de vitória, será preciso uma dura política comum federal e estadual para prender os criminosos, colocá-los na cadeia e mantê-los ali.
As iniciativas anticriminalidade não foram prioridade da agenda desta administração até pouco tempo atrás. Na verdade, a atual administração começou mal ao cortar 10% dos promotores federais e eliminar 250 cargos no FBI. Ela também aboliu o projeto Trava do Gatilho, iniciativa do governo Bush que havia conseguido um índice de quase 100% de condenações de criminosos presos por delitos armados federais. O mais revelador foi o fato de a administração haver decidido não submeter seu projeto de lei anticrime ao Congresso.
Mas, depois das vitórias de republicanos que adotam linha dura em relação à criminalidade em Virgínia, Nova Jersey, Nova York e Califórnia, a administração parece hoje ansiosa em fazer parte do consenso contra a criminalidade.
Antes, porém, desse projeto se tornar lei, será preciso transpor um obstáculo importante: os deputados democratas. A legislação proposta pela Câmara prevê apenas 17 mil novos policiais e mantém um silêncio notável sobre questões como sentenças mínimas obrigatórias. As tentativas por parte de deputados republicanos de seguirem adiante com sua própria legislação referente à criminalidade foram frustradas pela maioria democrata.
Alguns democratas parecem estar dispostos a juntar-se aos republicanos para apoiar um projeto de lei seguindo as linhas propostas pelo Senado. Mas ainda existe um contingente poderoso de democratas liberais contrários não apenas a pontos específicos do projeto de lei do Senado, mas ao seu espírito.
Estes }velhos democratas afirmam que é a }sociedade, e não o criminoso, a responsável pelos crimes violentos. Uma coisa é certa: sua abordagem garante que será a sociedade, e não o criminoso, que vai pagar pela criminalidade.
A julgar pelo passado, os liberais da Câmara vão mais uma vez tentar aprovar uma série de medidas separadas, em lugar de uma única legislação. Com isso, poderão abrandar as medidas anticrime.
Se a administração quiser melhorar suas credenciais no tocante à questão do combate ao crime, ela precisará apoiar um projeto de lei que seja semelhante ao do Senado. Se buscar o apoio de conservadores, corre o risco de ofender os liberais, alguns dos quais são vitais para a estratégia da administração para a reforma da saúde.
É claro que é a Casa Branca quem terá que decidir se corre esse risco. É uma decisão importante. A disposição de Clinton em derrotar a oposição liberal ao projeto de lei anticrimes irá revelar se o }novo democrata, que falou com tanta eloquência no discurso do Estado da União, é tão novo.

Tradução de Clara Allain.

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