São Paulo, domingo, 13 de março de 1994
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Chile de hoje pode ser Brasil de amanhã

CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A SANTIAGO

Se o Plano FHC estabilizar a economia brasileira, o próximo governo do Brasil vai viver o momento que o Chile passou a enfrentar desde anteontem, com a posse de Eduardo Frei Ruiz-Tagle, segundo presidente do período democrático, reintroduzido em 1990, após 17 anos de ditadura militar.
O Chile entra, agora, na fase de tentar o resgate da enorme dívida social acumulada historicamente e agravada pelo ciclo militar. Se, de fato, o plano FHC derrubar a inflação, seria, então, o caso de se falar em "efeito Pisco", a bebida nacional chilena, como contraponto ao "efeito Orloff", tão mencionado até há pouco, para dizer que o Brasil de amanhã seria a Argentina de hoje.
No Chile, a ditadura conseguiu estabilizar a economia, enxugar o Estado, colocar a inflação sob relativo controle e, na sua fase final, retomar o crescimento econômico. A democracia, nos quatro anos de mandato de Patricio Aylwin, mudou levemente a ênfase.
Manteve, é verdade, como dogma de fé, o equilíbrio das contas públicas, o que ajudou a provar que o regime democrático é tão ou mais capaz do que uma ditadura de ser eficaz na macroeconomia. A inflação despencou dos 21,4% de 1989, último ano completo do governo do general Augusto Pinochet, para 12,2% em 1993, último ano completo de Aylwin (nos dois primeiros meses de 94, a inflação acumulada não passou de 1,4%, cifra que o Brasil alcança por dia).
O crescimento econômico foi espetacular: 27,3% no total dos quatro anos, o que fez com que cada chileno, em tese, se tornasse 20% mais rico do que era ao terminar a ditadura. Consequência direta: o desemprego reduziu-se, ao final de 93, a 4,4% da população economicamente ativa, o mais baixo índice desde 1974.
Agora, no entanto, o Chile descobre que a estabilidade e o crescimento econômico são apenas o início, e não o fim, de um processo. É elogiável, a respeito, a franqueza com que Aylwin, na sua última mensagem ao país como presidente, na quinta-feira, abordou "o enorme desafio de vencer a pobreza". Disse o ainda presidente: "Se é muito o que avançamos, é muito mais o que nos falta fazer".
Tem razão. O muito que o Chile democrático avançou, ao aumentar em 27% o gasto social, significou reduzir o número de pobres (renda mensal de no máximo US$ 60) de 5,4 milhões, o legado da ditadura, para 4,3 milhões. Ainda assim, são 32% os chilenos em situação de pobreza. Os indigentes chilenos (menos de US$ 30 por mês) são 1,2 milhão, ou 9% da população total (no Brasil, o número de indigentes é calculado em 32 milhões, ou 21% do total de habitantes).
O novo governo chileno cravou como "primeira prioridade" erradicar a miséria. Para isso, uma das alavancas será um investimento inicial de US$ 1 bilhão em infra-estrutura, o que tem reconhecido efeito multiplicador. Aí, também, cai-se no "efeito Pisco": o Brasil precisa reconhecidamente investir em infra-estrutura.
Mas o presidente Frei pretende usar também a educação como "alavanca principal do progresso social das pessoas e como agente determinante do novo modelo de desenvolvimento econômico que queremos". Desnecessário dizer que o Brasil também precisa de uma revolução educacional.
No Chile, Frei defende, ao menos na retórica, uma revolução igualmente de mentalidade, contaminada pelo que ele chama de "individualismo destrutivo" e pelo "capitalismo selvagem", esse velho conhecido do Brasil. Seu slogan, espalhado pelas ruas de Santiago, nestes dias de festas de posse, é "Son tiempos para crecer – todos juntos".
Ao final de seus seis anos de gestão, a história lhe cobrará a promessa: "Neste país, não queremos nunca mais os privilégios para alguns e, para o resto, o que sobra". Só um absoluto insensível não assinaria em baixo, no Brasil, uma promessa tão contundente.

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