São Paulo, domingo, 13 de março de 1994
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Adivinhe quem veio tomar café

GILBERTO DIMENSTEIN

BRASÍLIA – Há um detalhe que nossos leitores não sabem. O prédio onde mora Fernando Henrique Cardoso é bem próximo desta sucursal. Numa rotina, quase todos os dias vejo-o passar de manhã num carro preto, de vidros escuros. Sempre está lendo alguma coisa. Ontem ocorreu uma surpresa, capaz de mostrar o óbvio: ele não é candidato. É candidatíssimo.
Desta vez ele não passou com seu pomposo e distante automóvel. Estava no outro lado da rua, bem na frente da sucursal, acompanhado de um batalhão de repórteres e cinegrafistas. Foi tomar café da manhã num humilde botequim, desses cujo nome está em placa de refrigerante e tem ovo colorido –e desses que, no final da tarde, a linguiça exposta quase flutua no óleo.
Lá apreciou um pão de queijo que, pela consistência, serviria até mesmo como uma arma letal. Nada parecido com o ambiente de seu apartamento, onde o café da manhã costuma ser habitado por ingredientes que jamais passariam nesse botequim: charmosos potes de geléia estrangeira, por exemplo. E onde o pão de queijo derrete na boca. Tudo numa louça de muito bom gosto –sem contar a decoração impecável.
Não precisaria nem dispor de informações reservadas para suspeitar que aquele café da manhã revela mais do que um ministro da Fazenda, procurando averiguar os preços. Publicamente, ele demonstra que não é ainda candidato, mas não resitiria ao patômetro.
A verdade é que ele está sinceramente angustiado e teme que seu plano esfarele com a sua saída –o que, além de dinamitá-lo na eleição, sujaria sua brilhante biografia. Vamos reconhecer: poucos homens públicos brasileiros têm uma biografia tão rica, ligado à luta democrática, sem máculas (pelo menos até aqui) de roubalheira e respeitado por sua bagagem intelectual.
Mas a angústia tornada pública é também uma peça de campanha, assim como o café no botequim. Mostra a aparência de alguém que não está desesperado para ser presidente.
E mais. Com o pavor anti-Lula e a suspeita de que Paulo Maluf seria derrotado no segundo turno, crescem os apelos "irresistíveis" para que ele saia candidato.
PS– Comentário de Delfim Netto: " Baixar a inflação para o Fernando até que é não é tão difícil. Duro mesmo é comer pão de queijo em botequim".

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