São Paulo, domingo, 13 de março de 1994
Texto Anterior | Índice

O plano e a responsabilidade empresarial

ANTONIO ERMÍRIO DE MORAES

Um amigo me contou que os supermercados da Argentina estão abarrotados de produtos importados. Alimentos, vitaminas, produtos de higiene etc. Todos mais baratos que os nacionais.
Levei um choque quando ele mencionou ter comprado dois rolos de papel higiênico americano em pleno centro de Buenos Aires. Foi demais. Aquilo me encucou. Papel higiênico importado! Poderia haver humilhação maior à indústria argentina? Penso que não. Fiquei imaginando a reação dos orgulhosos portenhos ao terem de usar um papel higiênico americano. O que terão eles pensado da competência e do patriotismo dos empresários da sua terra?
Uma coisa é comprar um carro importado. Outra, é comprar um rolo de papel higiênico. No primeiro caso, o consumidor é hipnotizado pelas novidades da tecnologia. No segundo, ele olha... olha... olha... e vê que papel higiênico é papel higiênico em qualquer parte do mundo. O mesmo formato; a mesma apresentação; e, exatamente, o mesmo uso.
Não tenho nada contra os Estados Unidos. Mas, sentiria uma profunda vergonha se, na solidão do meu banheiro, fosse eu obrigado a usar um papel higiênico americano. Seria a vergonha da nossa incapacidade. Não me refiro à incapacidade produtiva, porque matéria-prima e técnica temos de sobra. Refiro-me à nossa incapacidade de colocar os interesses da nação acima dos interesses pessoais, embora, é bom lembrar, as taxas de juros no Brasil são dez vezes maiores que as do exterior e os prazos dos empréstimos, cem vezes menores.
Lembrei-me disso tudo depois do encontro que tive com o ministro Fernando Henrique Cardoso, juntamente com vários empresários, na última terça-feira. Foi um almoço cordial. No estilo do anfitrião –homem culto, educado e respeitoso. Todavia, dentro da sua polidez, ele disparou o seu torpedo. Deu um recado duro e sério. Ele repetiu aos comensais, pela enésima vez, que o sucesso do plano econômico depende basicamente do bom comportamento dos preços. Em seguida, reiterou sua disposição de importar produtos, em caráter emergencial, como forma de coibir abusos.
Fiquei com isso na cabeça e estava começando a escrever este artigo, na quinta-feira, quando o "Jornal Nacional" começou a exibir uma reportagem comparando os produtos brasileiros com os que acabavam de chegar do exterior. Um dentifrício feito lá fora, por exemplo, viajou 10 mil quilômetros e chegou aqui pelo preço do nacional.
A reportagem seguiu mostrando outros produtos e me fez parar de escrever. Fixei-me na tela, pensando comigo mesmo: vai aparecer o papel higiênico americano. Gelei. De fato, mostraram o xampu, o sabonete, o creme de barbear, a loção... e eu preocupado com o papel higiênico importado... A reportagem foi correndo. Parecia não ter fim. Veio o pente. Depois, a escova de cabelo. Em seguida, as vitaminas, o tônico capilar e dezenas de outros itens. Graças a Deus, o papel higiênico não apareceu. Ufa! Relaxei. Mas, ainda assim, não consegui dormir em paz, pensando na nossa enorme responsabilidade para o sucesso do plano.

Texto Anterior: Linha certa
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.