São Paulo, segunda-feira, 14 de março de 1994
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Crime e castigo

O Plano FHC pretendeu desde o início realizar uma proeza diante da triste história de aventuras de política econômica dos últimos anos: dar uma paulada na inflação sem cair na tentação fácil e autoritária de dar também uma paulada nos mercados, nos trabalhadores e nos empresários. Em tese, recusar o congelamento, as tablitas, o confisco da riqueza ou o arrocho salarial seria a forma de conquistar a sociedade para o combate solidário à inflação.
Bela teoria que, na prática, revela-se frustrante. É fato que não se vive nenhuma explosão hiperinflacionária desde a criação da URV. Mas a baixa adesão ao novo indexador na indústria e no comércio, os casos impressionantes de aumentos de preços flagrantemente abusivos e a disposição de cada agente a, mais uma vez, "levar vantagem em tudo", infelizmente ainda se confirmam no dia-a-dia.
Ao governo cumpre fazer a sua parte, atento ao compromisso de ser firme contra a inflação sem ser totalitário. Ou seja, o governo deve evitar a "criminalização" do mercado –tendência infelizmente comum entre políticos e caçadores de bodes expiatórios. Se a adesão ao plano é baixa, se os mercados resistem, não se trata de "crime". Se o mercado não funciona a favor das políticas do governo, isso não significa que ele não funciona.
Ao contrário, funciona como sempre e cabe ao governo entender e operar segundo a lógica do mercado, não dos tribunais inquisitoriais. Nesse sentido, a redução a zero das tarifas de importação é instrumento eficiente, legítimo e oportuno. Mas não basta reduzir tarifas se, ao mesmo tempo, continuarem atuando os lobbies que se aproveitam, como intermediários, para fazer da política de abertura mais uma oportunidade de ganho fácil. Nesse sentido, a redução de tarifas faz sentido apenas se se fizer acompanhar de uma ampla e intensiva desregulamentação e desburocratização das importações.
Aumentar a competição ainda é a melhor forma de estimular ajustes e, evidentemente, inibir a inflação desbragada e especulativa. É o melhor castigo para um crime que, a rigor, não existe.

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