São Paulo, terça-feira, 15 de março de 1994
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Tunga usa maquiagem em escultura

BERNARDO CARVALHO
DA REPORTAGEM LOCAL

Exposições: Sete esculturas e uma instalação
Artista: Tunga
Onde: Galeria Luisa Strina (sete esculturas –r. Padre João Manuel, 974-A, Jardins, zona sul, tel. 2802471) e galeria André Millan (instalação –r. Mourato Coelho, 94, Pinheiros, zona oeste, tel. 852-5722)
Quando: Abertura hoje às 19h (galeria Luisa Strina) e às 21h (galeria André Millan); de segunda a sexta, das 10h às 20h, e sábados das 10h às 14h, até 29 de abril (galeria Luisa Strina) e de segunda a sexta, das 10h às 19h e sábados das 11h às 14h, até 26 de março (galeria André Millan)

O artista plástico Tunga trouxe três mulheres para maquiar as sete esculturas expostas a partir de hoje na galeria Luisa Strina. "São três artistas que trabalham comigo", diz Tunga, 42, enquanto as três mulheres passam base, maquiagem e batom nas peças fundidas em bronze.
O "espetáculo" –uma espécie de ritual que, embora privado, íntimo e bem mais discreto, não deixa de estabelecer ligações remotas com os "happenings" de Yves Klein em que uma mulher nua se esparramava sobre a tinta e a tela– não será visto pelo público. Faz parte exclusiva da montagem do trabalho.
A performance mesmo (com a participação de dois "atores" contratados) ficou reservada a uma outra peça do artista, uma instalação que estará exposta simultaneamente, também a partir de hoje, na galeria André Millan. O casal de atores vai fazer seu número em torno de uma urna e um cálice (formas recorrentes nas sete esculturas expostas na Luisa Strina) que "derramam" no chão um desenho, linhas traçadas com maquiagem feminina.
O trabalho de Tunga vem há anos girando em torno de fios, linhas, cabelos, túneis. Podem ser tranças, dedais, agulhas, mulheres "xipófagas" unidas por um cabelo só. Há uma obsessão clara pela identidade e pelo corpo feminino, pelo mito de Penélope, pela penetração, mas levada a uma dimensão desproporcional, onde o humor transborda.
No caso destas pequenas esculturas, o que havia de monumental nesse humor se comprime numa obra de câmara. "São peças discretas, fechadas sobre si mesmas. São maquiadas. Literalmente maquiadas", diz Tunga.
Os sete conjuntos são formados cada um por três pequenas peças: uma urna, uma taça e o que o artista chama de "superfícies de catástrofe" (formas quase orgânicas, moldadas a partir das duas outras peças). Cada objeto é feito originalmente em argila, fundido em bronze e depois maquiado. A cor de pele da maquiagem e as formas irregulares provocam a estranha ilusão de que, em vez de bronze, o espectador está diante de objetos de cerâmicas.
As peças, que podiam ter sido feitas em tornos, foram ao contrário realizadas manualmente, manuseadas com os dedos, o que lhes dá um aspecto ainda mais orgânico, quase sexual. "A maquiagem é um material que deveria normalmente ser aplicado sobre o corpo. São tons de pele diferentes", diz Tunga explicando a mudança de cor de uma escultura para outra. As bordas das "superfícies de catástrofe", essas superfícies irregulares e ondeantes moldadas com os dedos em torno da urna e do cálice, formam dobras, lábios, grandes lábios, que são pintados com batom.
As esculturas de Tunga funcionam dentro de um jogo de ilusões (o bronze em forma de argila com aparência ao mesmo tempo de barro, de pele e de vísceras) onde prevalece uma metonímia radical (a maquiagem pelo corpo). Como num processo ritual, elas funcionam no limite onde a representação tenta recriar o corpo não mais por mimetismo mas por uma espécie de pensamento primitivo e mágico.

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