São Paulo, quarta-feira, 16 de março de 1994
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Explicação devida

JANIO DE FREITAS

Entre as confusões conceituais que interesses econômicos propagam, com finalidade óbvia, a mais prejudicial para o país tem sido o embaralhamento da proposta de privatizações com o processo das privatizações. Muitas das atividades e propriedades do Estado não têm razão de ser, devendo mesmo ser privatizadas. Já os processos de privatização marcam-se, um atrás do outro, desde o caso Mafersa no governo Sarney, por avaliações comprometedoras, irregularidades formais e, na melhor das hipóteses, suspeitas que nunca chegam a ser desfeitas. Apesar disso, o movimento privatista as defende como se denunciar os métodos fosse manobra antiprivatizante.
É a vez da Embraer, a indústria aeronáutica. Seu preço foi fixado em US$ 295 milhões. À primeira vista, parece de insignificância gritante. E a impressão cresce quando os técnicos da empresa contrapõem à avaliação do governo o valor de US$ 1,4 bilhões. Digamos que haja aí o otimismo provocado pela oposição à venda. Mas outros elementos se apresentam para consolidar a suspeita de que o governo está criando mais um facilitário.
Para vender por aquele primeiro valor, dispõe-se o governo a assumir dívidas que, em dezembro de 92, montavam a US$ 670 milhões e, de lá para cá, só cresceram. O ministro Fernando Henrique aprova até a inclusão, na dívida externa, de US$ 150 milhões de débitos da Embraer, dos quais a União nem é avalista. E, como dizem os técnicos da empresa que levantam estes e outros dados, surge "uma carta de intenções em que o governo promete aos futuros compradores fazer tudo o que não fez enquanto a empresa era sua. Ou seja, incentivo fiscal e tributário, compromisso de encomendas, apoio a novos projetos". De fato, o governo estrangulou a Embraer, sustando a compra de aviões encomendados, suspendendo financiamento para vendas e com outros apertos fatais. É um despropósito que ofereça a um ou poucos compradores o que não fez por um patrimônio da Nação.
Com as mudanças de ministro da Fazenda e de presidente do BNDES, foram noticiadas, por iniciativa dos próprios, mudanças também nos critérios e rigores dos processos de privatização. O caso da Embraer está requerendo explicações que comprovem as mudanças.
Está no nome
As lideranças peessedebistas gostam de dizer que calaram os que davam o PSDB como o partido do muro. Parece ser verdade, a julgar pelo tratamento dado ao partido. O problema é que os peessedebistas não se calaram. E aí eles mostram o que outros não querem dizer.
Dos 54 deputados e senadores do partido entrevistados pela Folha, sobre seu apoio à aliança com o PFL, 24 ficaram na indefinição, com larga preferência pela mais murista das palavras – "depende". Três dos entrevistados – Aécio Neves, Vittorio Medioli e José Serra – até abdicaram da própria idéia de partido, de repente reduzido a uma vontade individual: "o candidato decide".
O PSDB ainda não deixou de lembrar o velho PSD dos tempos do folclórico Benedito Valadares. Talvez não seja por acaso que nem a sigla escape de tal lembrança: PSD...B.
Imediato
No dia em que a URV começou a vigorar, 1º de março, o verão esplendoroso desnorteou-se no país todo e até hoje, passadas já duas semanas, não se recuperou. Muitos insensatos, já sei, vão dizer que é outra coincindência.

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