São Paulo, quarta-feira, 16 de março de 1994
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A URV e a mediocridade sindical

MELQUÍADES DE ARAÚJO

Quase que num passe de mágica, a maioria das centrais sindicais esqueceu suas divergências e condenou a URV, apontando-a como nociva aos trabalhadores e indicando a greve geral como o grande caminho para recuperar as perdas salariais. Como alguém já afirmou que toda unanimidade é medíocre, ouso discordar de senso comum que vem se formando no movimento sindical, que a priori condena o advento da URV.
Sem demagogias, devemos afirmar, com todas as letras, que o plano econômico do governo –do qual a URV é um elemento chave, mas não é o elixir mágico– resgata uma cara e sentida reivindicação do movimento sindical: a necessidade de os salários serem corrigidos diariamente como único caminho de preservar o poder aquisitivo dos trabalhadores. A rigor, nos últimos dez anos, tudo o que o movimento sindical tem feito é correr atrás das perdas inflacionárias que, quando parcialmente repostas, são vendidas como "grandes vitórias".
Os pontos de contato entre este plano e o movimento sindical não param aí, pois também achamos que a inflação é a grande inimiga dos trabalhadores e há quem ganhe com ela. Que o digam os bancos, os monopólios, os cartórios e os que vivem da especulação financeira. Mas o pai de família, que tem de garantir o pão de cada dia, sabe o quanto a inflação é perversa.
A URV é um passo para reverter este quadro, mas será em vão se ela não vier acompanhada de uma radical reforma do Estado, com a superação das reservas de mercado e monopólios, com a reforma tributária e a reforma da Previdência. Mas aqui assistimos muitos setores do movimento sindical andar de braços dados com o corporativismo e o atraso para perpetuar privilégios dos quais os trabalhadores não são os beneficiários. Estes segmentos são os mesmos que apostam numa "greve geral" contra a URV e consideram a revisão constitucional uma manobra do "imperialismo" para transformar o Brasil em colônia.
Certamente não faltará quem nos acuse de velho e carcomido pelego, pois até agora não dissemos nenhuma palavra sobre as perdas salariais. As perdas existem e a Folha –a quem não se pode acusar de governista– já indicou que setores dos assalariados perdem e que outros setores ganham. Estas perdas devem ser conquistadas. Mas não com uma "greve geral", que na verdade volta-se contra o que há de positivo no plano do ministro. Quem tem efetivo contato com suas bases sabe que não há clima para uma "greve geral".
Torna-se imperiosa hoje uma ação sindical capaz de combinar a defesa dos interesses imediato dos trabalhadores –entre as quais as eventuais perdas inflacionárias em decorrência da URV– com o que há de permanente e moderno no Plano FHC e na revisão constitucional. Citemos um exemplo: a reforma tributária é fundamental para desagravar os impostos que incidem em cascata sobre os produtos, particularmente os das cestas básicas. Pasmem: na Europa a cesta básica é tributada numa média de 6%, sendo que em Portugal é em 7% e na Inglaterra é 0%. Mas no Brasil é em 32%!
O movimento sindical já amadureceu o bastante para se recusar a fazer o jogo eleitoreiro de eventuais candidatos e efetivamos este nosso ponto de vista em recente reunião da direção nacional da Força Sindical. A mediocridade (ou oportunismo) deve ser rechaçada, mesmo que venha de segmentos operários. O movimento sindical e a sociedade organizada não podem ficar de braços cruzados, esperando que o governo prenda os especuladores que aumentam os preços em índices superiores à URV. O combate a estes irresponsáveis é também uma tarefa dos segmentos organizados, pois ou debelamos a inflação e alcançamos a estabilização econômica ou naufragamos todos.

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