São Paulo, quarta-feira, 16 de março de 1994
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O que esperar da revisão constitucional

CARLOS EDUARDO MOREIRA FERREIRA

Ainda se ouvem e se lêem críticas ao Congresso Nacional, pelo equívoco de aprovar o aumento do Imposto de Renda para pessoas físicas e, em seguida, negar quórum par votar a adoção da mesma providência contra as empresas. Mais do que o aumento –de resto inaceitável numa sociedade exaurida por uma carga tributária excessiva–, pesou, no episódio, a falta de equilíbrio, de equanimidade, de senso de justiça. Nada de novo: o Congresso apenas traduziu, no caso, o caráter intrinsecamente iníquo do sistema tributário brasileiro, que ganhou mais um retalho na tentativa de viabilizar o plano de estabilização.
A cada remendo que se faz no sistema tributário, mais fortemente se evidencia necessidade de submetê-lo a uma reforma profunda, em razão do papel fundamental a ele atribuído no crescimento econômico. E não será por falta de idéias e propostas que se deixará de fazer esta reforma. Reforçando as iniciativas oficiais, entidades representativas de diferentes segmentos da sociedade promoveram estudos mobilizando alguns dos melhores economistas do país e encaminharam seus resultados a deputados e senadores envolvidos na revisão constitucional. O ponto comum nestas propostas é a redução do número de tributos e o estabelecimento, de um sistema mais justo.
A Federação e o Centro das Indústrias do Estado de São Paulo sugeriram uma série de medidas destinadas a recuperar o sistema implantado em 1967, atualizando-o com base na experiência acumulada desde então. A intenção, em resumo, é diminuir o número de impostos e desonerar a atividade produtiva, garantindo a manutenção da receita nos níveis atuais, a partir da redução de alíquotas e da ampliação da base tributária.
Não se trata apenas de adequar o sistema a conceitos modernos ou de ceder a imposições decorrentes da prática internacional, tendo em vista a maior integração econômica. Trata-se de tornar viável um projeto para o Brasil –qualquer que seja ele. O sistema tributário é hoje um acúmulo de 59 impostos e contribuições que se cobram em cascata. As bases tributadas, calcula-se, não atingem 50% das bases reais –em razão de incentivos, isenções e da sonegação– e o peso excessivo dos impostos indiretos torna o sistema como um todo regressivo, exigindo mais de quem pode menos. O custo da mão-de-obra é brutalmente encarecido pelas contribuições incidentes na folha de salários, terminando por estimular o desemprego.
Essas anomalias conduziram a uma situação quase insolúvel, um círculo vicioso no qual as distorções geram evasão e sonegação de impostos, exigindo novas medidas de natureza casuística para compensar as perdas de arrecadação. Agravam-se, assim, os problemas e só há um fim possível para esta cadeia de calamidades: a reformulação de todo o sistema, de forma a que ele adquira racionalidade e eficácia.
Não basta, contudo, mudar o sistema tributário. É preciso que se ataquem, simultaneamente, outros problemas associados à crise do Estado, com destaque para:
1) o déficit estrutural de governo, que arrecada 24% do PIB e tende a gastar 33%, segundo a Fipe;
2) o pacto federativo, de modo a que os Estados e municípios (cerca de metade) que vivem hoje às custas de recursos fiscais do resto do país possam desenvolver bases tributárias próprias, permitindo a descentralização de tributos, funções, encargos e programas;
3) as dívidas dos governos, explícitas e implícitas (estas, nos chamados fundos sociais, INSS, FGTS, PIS/Pasep, PCVS, estimadas em US$ 100 bilhões), que exigem a reforma do sistema de seguridade social e a securitização dos fundos;
4) a privatização, que deve permitir que o Estado concentre seus esforços na oferta de bens e serviços básicos, na redistribuição de renda e na garantia de estabilidade econômica e política;
5) e o problema das instituições oficiais, que se resumiria na autonomia do Banco Central e na exigência de eficiência de toda a rede, cuja sobrevivência deve ser garantida por seus próprios meios, segundo as regras do mercado.
Se adotadas no processo de revisão constitucional, medidas dessa amplitude –defendidas pelo empresariado e por outros segmentos esclarecidos da sociedade– irão marcar, pelo seu poder de transformação, o início da grande tarefa de reconstrução econômica e institucional do país.

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