São Paulo, quarta-feira, 16 de março de 1994
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Salário pela média

ANTONIO DELFIM NETTO

Em todos os programas de estabilização não precedidos por uma verdadeira hiperinflação, há uma resistência enorme das pessoas que tiram o seu sustento da remuneração do seu trabalho de aceitarem a sua fixação pela média.
Trata-se de um fato rejeitado emocionalmente, apesar da aparência de justiça do critério. De fato, não é a conversão pela média que causa uma perda salarial. Ou a perda foi anterior, ou será posterior, mas em nenhum caso ela estará ligada ao reajustamento pela média.
A aceleração dramática da inflação a partir de junho de 1993 certamente cortou o salário real de ampla massa de trabalhadores. Escaparam os que se beneficiaram do aumento de número de horas trabalhadas. Escaparam os beneficiários dos acordos cooperativos entre oligopólios e os sindicatos fortes. Escaparam principalmente os empregados das estatais. Mas a grande massa trabalhadora empregada, e ainda mais os que foram desempregados, tiveram seu salário real reduzido.
Dessa forma, não é a conversão pela média que vai causar a perda salarial. O máximo que ela pode fazer é consagrá-la. No próximo quadrimestre, o salário real médio deve ser exatamente o que foi no último. A perda, portanto, foi anterior à aplicação do critério e não produzida por ele.
Há uma outra possibilidade de redução do salário real no próximo quadrimestre, mas também ela não está ligada ao cálculo da média. O governo tem dito que não haverá perdas, porque durante o período de vigência da URV os salários serão corrigidos mensalmente. O que acontece é que o salário real é determinado pela cesta de bens e serviços que o trabalhador pode comprar com seu salário. E essa cesta é determinada pelo índice do custo de vida. Se a variação da URV (que é determinada pela vontade do Príncipe) for menor do que a variação do custo de vida, os salários perderão em seguida. De novo, não é o critério de conversão pela média que produz o desgaste do salário real, mas o próprio mecanismo de correção.
Como o programa garante que não haverá redução de salário, temos que concluir que as variações diárias da URV terão de acompanhar o INPC projetado. Isto é, a taxa das variações diárias da URV quando acumulada nos 30 dias será o INPC (ou INPCA) e, portanto, igual à Ufir!
Isso nos leva a uma longa distância daquele indicador com virtudes mágicas anunciado no dia 7 de dezembro de 1993. A URV, se diz na Exposição de Motivos nº 395 (7/12/93), "terá seu valor em cruzeiros reais anunciado diariamente pelo Banco Central. Para tal, este utilizará sua melhor estimativa da inflação corrente, da mesma forma que o faz para balizar sua atuação no mercado de câmbio, de forma a manter estável o valor das divisas estrangeiras com relação a mercadorias no Brasil". Exatamente o que ele não tem feito, como comprova o comportamento da taxa de câmbio real nos últimos 12 meses.
Essas considerações mostram como a discussão do critério da média não pode conduzir a nenhum lugar. Recusando a média, os trabalhadores ficam numa posição logicamente falsa. O que se deve discutir são as salvaguardas para que sua aceitação não signifique nem o conformismo com as perdas já ocorridas, nem a consagração de novas perdas no tempo da URV e, depois, no tempo do real.

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