São Paulo, quinta-feira, 17 de março de 1994
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Por trás da emenda do deputado Goldman sobre petróleo

LUIZ PINGUELLI ROSA

"Por Trás do Thatcherismo" é o título de um livro editado por Phillip Brown e Richard Sparks, respectivamente professores das universidades de Kent e de Cambridge, com contribuições de cientistas sociais e economistas ingleses. A ex-Dama de Ferro foi mobilizada aqui no Brasil pelo lobby de grupos econômicos interessados em acabar com os monopólios constitucionais do petróleo e das telecomunicações, bem como na privatização de empresas elétricas públicas e na compra de hidrelétricas amortizadas.
Defender posições no Congresso é um direito de todos. Entretanto, como mostrei em artigo na Folha, o plano de ação do lobby empresarial no Congresso exibe afirmações pouco éticas preocupantes.
O livro mostra a distância entre o discurso moralista de Margaret Thatcher e a insensibilidade ética da sua política. Seu governo foi uma combinação de neoliberalismo e autoritarismo conservador com um populismo perverso, explorando preconceitos latentes na sociedade: contra imigrantes, por punições violentas e contra greves.
Seu anticoletivismo levou à redução do papel social do Estado atacando o keynesianismo. Assisti em Londres um discurso dela num linguajar de fazer inveja ao mais duro stalinista soviético. Era declaradamente de direita, o que deve embaraçar os sociais-democratas tupiniquins deslumbrados retardadamente com o liberalismo econômico, na moda aqui.
Com idéias velhas, do século 18, o thatcherismo buscou reduzir o papel do Estado ao manter a ordem e garantir o valor da moeda, deixando tudo mais ao mercado. Só que, ao contrário das promessas que fazem aqui, reduziu ao mesmo tempo o apoio à educação e à saúde. Mas caiu numa contradição, apontada por um liberal inteligente, Karl Popper, há muitas décadas: para garantir a não-intervenção no mercado o Estado tem de intervir!
Christopher Harris, em artigo no livro, mostra como "uma economia totalmente livre implica um Estado forte" para combater as organizações civis, sindicatos e instituições públicas que permitem os indivíduos isolados se organizarem. O ideal do liberalismo é reduzir a sociedade a um conjunto de indivíduos e empresas competindo no mercado.
Entende-se assim por que alguém declarou, a propósito da revisão da Constituição, ser mais fácil impor o liberalismo com uma ditadura como a de Pinochet, que aniquilou os sindicatos. Menem aniquilou-os com o populismo de direita. Mas as revoltas de rua na Argentina e a rebelião zapatista no México são um alerta. No Brasil há desemprego, 32 milhões de miseráveis e a maioria dos que trabalham tem salário irrisório. É diferente da Inglaterra.
Com mão de ferro, Thatcher iniciou há muitos anos as privatizações do setor público, tendo entre seus objetivos quebrar a resistência sindical neste setor. Os resultados, analisados em trabalhos que citei na Folha, foram aumentos das tarifas, desemprego e problemas para investimentos em energia e infra-estrutura. Segundo dados de 1991, na Inglaterra o diesel custava US$ 0,49/l e aqui US$ 0,26/l; lá a energia elétrica industrial custava US$ 60/MWh e aqui US$ 39/MWh.
A resposta à declaração demagógica da senhora Thatcher, de que alimentos são tão estratégicos, ou mais, que o petróleo e não dependem do Estado, está na campanha contra a fome. Se o mercado bastasse, esta não seria necessária e nem seu líder, Betinho, cobraria providências do Estado. Ademais, muitos alimentos são produzidos, apesar do papel dos atravessadores e das redes de supermercados em pequenas plantações. Petróleo não se planta, suas reservas e seus fluxos são controlados e se faltar diesel para tratores e caminhões faltarão alimentos. O álcool pode atenuar isso, mas não basta nem sobreviverá à privatização do petróleo.
A Inglaterra é do clube dos países ricos e tem a British Petroleum uma empresa privada, mas de âmbito mundial. Assim possui outros meios para controlar o petróleo. Se o petróleo fosse uma "commodity" qualquer, a senhora Thatcher não viria defender interesses de seu país contra uma empresa nacional, a Petrobrás, nem teria apoiado a guerra do Kuait.
A pergunta que deixo é: por que nossas elites empresariais, com dignidade, não defendem os interesses do país, como Thatcher defende os da Inglaterra? Curiosa a metamorfose dos que eram contra o monopólio constitucional e agora dizem, como o ex-ministro Alberto Goldman, defender o monopólio da União, mas dando concessões às multinacionais. Confundem o público e os parlamentares.
Por trás disso virá a desarticulação e a inviabilização da Petrobrás, como ocorreu com a YPF argentina, hoje privatizada com prejuízo para aquele país. O México e a Venezuela, como o Brasil, mantêm suas estatais petroleiras. Não é verdade que seja necessário mudar a Constituição para flexibilizar a Petrobrás e fazer parcerias. Uma empresa nacional, forte e tecnicamente competente, negociará melhor com as multinacionais do que um departamento, burocrático, de governo encarregado das concessões que o ex-ministro propõe.

Texto Anterior: Em parceria; Gerentes insatisfeitos; Decisão própria; Trabalhando mais; Telefone grampeado; Adesão em massa
Próximo Texto: A empresa binacional brasileiro-argentina
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.