São Paulo, sábado, 19 de março de 1994
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O PT e o aborto

GILBERTO DIMENSTEIN

SÃO PAULO – O PT envolveu-se numa difícil discussão com a Igreja Católica, onde estão muitos de seus fiéis seguidores. Motivo: o direito ao aborto foi incluído no programa preliminar. Sou contra o aborto, considero-o uma agressão à vida e ao corpo da mulher. Mas deve ou não ser legalizado?
Em primeiro lugar, o PT deve ser elogiado –é o primeiro partido a discutir abertamente um problema tão importante, habitualmente ignorado pelos homens públicos. É um bom exemplo de seriedade numa campanha eleitoral.
Por princípio, ninguém deseja o aborto. Como consequência lógica, a sociedade precisaria colocar no topo de suas preocupações o planejamento familiar. Traduzindo: com a devida assistência médica, todas (repito, todas) as famílias pobres deveriam ter acesso a métodos contraceptivos, distribuídos em postos de saúde.
Mais: o Estado tem a obrigação de divulgar campanhas educativas pela televisão. As escolas deveriam ser obrigadas a incluir educação sexual no currículo –calcula-se que, por ano, entre 1,2 milhão e 2 milhões de adolescentes engravidem. O aborto, segundo o Unicef, é uma das principais causas de morte entre jovens.
Aí está o caminho para se reduzir a violência que significa o aborto. Mas, nesse caso, a Igreja Católica terá de ajudar e abandonar um comportamento inadequado: a defesa intransigente de métodos naturais que funcionam mal.
Sou contra o aborto por princípio, mas o vejo como fato consumado. E, assim, defendo sua legalização. Quem acaba sofrendo é a mulher pobre, obrigada a ficar na mão de açougueiros. A violência seria menor caso tivesse a ajuda da medicina pública.
PS – Recebi ontem telefonema do ministro da Saúde, Henrique Santillo. Assunto: a proposta do Conselho Nacional de Saúde para baratear a aquisição de óculos pré-fabricados de leitura. A idéia é bombardeada pela liderança dos oftalmologistas, que perderiam clientes. Vendidos sem receita, esses óculos custariam menos de US$ 8, ajudando os mais pobres. São utilizados nos países desenvolvidos, aprovados por conselhos médicos. Santillo reconheceu que existem pressões e disse não saber se vai aprovar.

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