São Paulo, quarta-feira, 23 de março de 1994
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Os "anões" e o linchamento

CLÓVIS ROSSI

SÃO PAULO – A renúncia, ontem, de mais três dos acusados pela CPI do Orçamento deixa apenas dois peixes graúdos na rede: os deputados Ibsen Pinheiro (PMDB-RS) e Ricardo Fiuza (PFL-PE). Ibsen já fez a sua defesa, em artigo ontem publicado pela Folha. Os leitores podem julgá-lo.
Já o deputado Fiuza divulgou livreto de mais de 200 páginas, nas quais reproduz as acusações contra ele formuladas, acrescenta a sua defesa e faz um apelo dramático: "Quero ser julgado e severamente julgado, mas não quero ser linchado". É justo.
Para o meu gosto, a biografia de Fiuza contém dois pecados capitais: foi aliado do regime autoritário e, ainda por cima, de sua vertente mais dura e primitiva, encarnada à época pelo general Sylvio Frota. Depois, foi ministro do governo Collor, o mais nefasto da história democrática brasileira.
Acontece que o deputado não está sendo julgado por esses pecados. E, se o estivesse, faltariam no banco dos réus centenas de outras personalidades.
Quanto às acusações pelas quais está de fato sendo julgado, o livreto parece representar uma sólida defesa. Mas são casos tão intrincados que não me considero capacitado para emitir um julgamento. O que acho, sim, importante é remar contra a maré montante, que pede o sangue dos acusados, independentemente da qualidade das provas contra eles levantadas.
O deputado Hélio Bicudo (PT-SP), relator do caso Fiuza, tem, a propósito, experiência anterior. No período autoritário, remou contra a maré, no elogiável esforço e coragem para tentar levar à Justiça o delegado Sérgio Fleury, um dos mais negros símbolos da repressão. É de se esperar que, agora, Bicudo aja com idêntica coragem, se for o caso de inocentar Fiuza, e idêntica competência, se houver de fato motivos para cassá-lo.
Agora que três dos "anões" escaparam da punição pela via da fuga, mais aumenta a sede de sangue do público e, por extensão, o desejo dos parlamentares de satisfazê-la, com ou sem provas. Com provas, tudo bem. Mas sem elas, seria um crime, que foi comum e mais cruento no regime militar, e não pode ser cometido pela democracia.

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