São Paulo, sexta-feira, 25 de março de 1994
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Quem produziu a crise

LUÍS NASSIF

Três presidentes seguidos –José Sarney, Fernando Collor e Itamar Franco– incluiram por diversas vezes entre seus presumíveis feitos, a manutenção da democracia e das liberdades.
Nada mais falso. A falta ou de projetos nacionais claros, ou atos transparentes, ou de ambos, fez com que encontrassem limitações ao uso pleno do poder.
Em alguns momentos de seu governo, os três comportaram-se como incendiários. Não conseguiram colocar a democracia em xeque, mais pelo amadurecimento da sociedade civil e militar, do que por convicção democrática propriamente dita. A crise política sempre foi o caminho mais fácil para ocultar o fracasso de suas gestões e contornar as limitações que encontraram para o exercício do poder absoluto.
Desde o início de seu governo, Itamar foi estimulado por seus auxiliares menos escrupulosos a criar situações de confronto, que permitissem ao grupo ganhar espaço de manobra, ainda que às custas de crises políticas. Não foram poucas as vezes em que acenaram com guerra contra empresários ou destruíram trabalhos tecidos por membros do governo –como quando detonaram o ex-ministro da Fazenda Paulo Haddad e o presidente do BNDES, Antonio Barros de Castro.
José de Castro
Agora, há indícios consistentes de que o principal estimulador dessa atitude de Itamar foi o presidente da Telerj, José de Castro, para recuperar a influência que tinha sobre o governo.
Desde que Itamar assumiu o governo, depois de denúncias da imprensa José de Castro foi obrigado a voltar atrás em diversas operações pouco claras, articuladas tanto na Consultoria Geral da República quanto na presidência da Telerj. Estes episódios levaram-no gradativamente a perder espaço dentro do governo.
De lá para cá, José de Castro limitou-se a sobreviver politicamente alimentando algumas colunas com notas pouco convincentes, a respeito de uma suposta influência que ainda mantinha sobre Itamar –só divulgadas devido ao fato de ter a Telerj sob seu controle.
A crise já tinha sido solucionada, após uma reunião na casa do procurador geral Aristides Junqueira, que juntou as principais lideranças do Congresso, membros do Supremo Tribunal Federal e FHC. O processo foi obstado por José de Castro.
Lideranças do Congresso, empenhadas em resolver a atual crise institucional, suspeitam que José de Castro tenha se valido de duas circunstancias para influenciar o presidente a criar o impasse atual.
De um lado, sentimentos menores de Itamar, com ciúmes da popularidade conquistada por FHC, em contraste com sua própria imagem, arruinada após os episódios do sambódromo. De outro, a flagrante insatisfação dos militares com seus soldos, em contraposição aos privilégios de outros setores do funcionalismo.
"Alma árida"
Este papel de José de Castro teria ficado claro –segundo fontes parlamentares– quando procurou FHC, com um comportamento classificado de autoritário e arrogante por estas fontes, dizendo-lhe que Itamar "proibira" qualquer alteração na MP da URV.
A informação teria sido passado em tom de ordem. Houve bate-boca em seguida, com Fernando Henrique –quase invariavelmente um sujeito calmo e elegante– chamando José de Castro de "obtuso" e "alma árida".
No fim da tarde, as declarações do diretor da Polícia Federal, Wilson Romão, demonstram que o presidente está apostando em um endurecimento político.
Só um impasse grave conseguirá mudar o atual sistema institucional e convencer os donos do Estado a permitirem sua reforma por uma constituinte exclusiva, composta por representantes da sociedade civil.
Mas o impasse atual não tem grandeza. É apenas mais uma manifestação de falsa esperteza de velhas raposas da política, procurando utilizar, em proveito próprio, impasses institucionais.
É hora de se encarar seriamente a hipótese de processar o presidente da República por crime de responsabilidade.

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