São Paulo, sexta-feira, 25 de março de 1994
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Regime sacrifica prazer por verdade e beleza

NINA HORTA
ESPECIAL PARA A FOLHA

Estamos na Quaresma, tempo de jejum, costume universal, conhecido por quase todos os povos do mundo. O jejum, por razões espirituais ou estéticas, é um modo de a pessoa fazer uma limpeza interna. Os que fazem regime hoje, são herdeiros diretos dos jejuadores de antigamente, sacrificando o prazer pela verdade iluminada e pela beleza.
Um repórter-cobaia registrou para sua revista uma dieta de emagrecimento baseada no best seller francês "La Méthode Montignac". É a maior moda na França. Todos fazem o regime, inventado há dez anos por Michel Montignac, que já escreveu quatro livros sobre o assunto, abriu um restaurante e várias lojas com seus produtos, publica um jornal bimestral e fatura US$ 18 milhões por ano. Nada mal. As calorias não contam na dieta Montignac. O exercício é inútil. O vinho é permitido, assim como o "foie gras". O maior pecado é pular uma refeição. Todas essas regras agradaram sobremaneira o repórter, que partiu então para o regime.
O livro explica que "não engordamos por comer muito, mas por comer mal. Coma o quanto quiser, mas só as comidas certas, na combinação certa. Nada de batatas, massas, arroz branco, pão branco, milho, açúcar, doces, cafeína. Nunca. Só as proteínas, gorduras e montes de fibras de hortaliças verdes". O chocolate escuro, o "foie gras" e o vinho, entram na segunda fase do regime.
Dramatizando e eliminando os detalhes, a idéia básica e maniqueísta é a seguinte. Existem bons e maus carboidratos. Os maus elevam muito a glicose na corrente sanguínea. Quando o açúcar no sangue aumenta, o pâncreas produz insulina. Em alguns de nós –resistentes à insulina– produz mais do que a quota normal. Os tecidos do corpo absorvem a glicose, removendo-a do sangue. A glicose se transforma em gordura na presença da insulina e se deposita, com efeitos estéticos desastrosos.
E onde estão estes maus, estes péssimos carboidratos? Na cerveja, no pão branco, no purê de batatas, nas geléias, no mel, nos corn-flakes, na pipoca, na cenoura, no açúcar refinado, na massa de farinha branca, nas bananas, nas uvas passas, nos biscoitinhos doces. O pão branco é pior que o açúcar. Vade retro, Satanás!
Os bons carboidratos elevam pouco o índice glicêmico. Tidos como bons, as hortaliças verdes. Outros são razoáveis, como chocolate escuro, ervilhas e grão de bico secos, feijão branco fresco, frutas frescas, laticínios, cereais integrais, aveia, arroz integral.
Imbuído da noção de Bem e Mal, o repórter partiu para sua compra do mês no supermercado. Encheu o carrinho com pão preto de sete grãos, bifes gordos, dois patos e cinco quilos de asas de frango para fritar como aperitivo. Um vidro de adoçante, dois quilos de queijo francês, linguiças e azeite. Não se esqueceu de algumas regrinhas de bolso, como: as frutas só podem ser comidas meia hora antes da refeição ou três horas depois e os bons carboidratos não podem ser comidos ao mesmo tempo que a gordura.
Ficou meio ressabiado, por puro preconceito, quando, nas suas pesquisas sobre a validade do regime, descobriu que a profissão anterior do Sr. Montignac era a de numerologista. No trigésimo primeiro dia de regime, recebeu seu exame de sangue e verificou que emagrecera três quilos e meio, contra os oito prometidos, mas tanto melhor, antes isso do que nada. O colesterol não aumentou e o nível de triglicérides baixou para normal. Livre dos quilos e de escrever a matéria, ainda não sabe se continua e filosofa se a vida vale ser vivida sem um bom scotch.

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