São Paulo, quarta-feira, 30 de março de 1994
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"Qiu Ju" supera a armadilha das aparências

CÁSSIO STARLING CARLOS
DA REDAÇÃO

Filmes como "Amor e Sedução" e "Lanternas Vermelhas" revelaram o talento do cineasta chinês Zhang Yimou para todo o mundo. Com um olhar pictórico, Yimou utiliza cores simbolicamente definidas em sua cultura para criar cenas de forte impacto. A faceta estetizante do seu talento , contudo, mascarava a questão mais crucial para seu cinema: os embaraços que uma sociedade opressiva impõe a seus cidadãos. É este dado mais político que vem à tona em "A História de Qiu Ju", seu quinto filme.
Abandonando deliberadamente a máscara estética, Yimou descreve aqui as atribulações de uma camponesa, vivida por sua atriz-fetiche –Gong Li, a protagonista de seus outros filmes e de "Adeus Minha Concubina". Qiu Ju, grávida, percorre o calvário que a burocracia comunista impõe àqueles que buscam o reconhecimento de um direito.
Seu marido sofre uma agressão física, chutado nos genitais pelo chefe da aldeia, a quem havia ironizado por não ter filhos homens, ou seja, herdeiros. Renegando todo tipo de reparação financeira que lhes é oferecida, o casal a princípio luta junto.
Logo, Qiu Ju passa a lutar solitariamente e o ideal de justiça que disputa, a subversão dissimulada de seus gestos, a encaminha em direção a uma espécie de utopia libertária, porém pessoal, subjetiva, intransferível.
Mas, no meio tempo, sofre complicações no parto e, junto com seu marido, tem que recorrer ao chefe para não perder o bebê. A conclusão nitidamente regressiva de sua história provavelmente foi uma concessão que o diretor teve que fazer à rígida censura chinesa. O subterfúgio porém fica claro graças à ênfase que Yimou dá à luta solitária de sua heroína.
O interessante nesta narrativa está em situar a ação no presente e daí extrair uma representação realista e clara dos problemas que a China contemporânea atravessa.
Correspondente à opressão da terra, Qiu Ju vai descobrir outra, a dos centros urbanos. Sob este aspecto, o filme chega a lembrar alguns filmes brasileiros como "A Grande Cidade" de Cacá Diegues e "A Hora da Estrela" de Susana Amaral.
Com "A História de Qiu Ju", Yimou se liberta do esteticismo sufocante de seus filmes anteriores. O elenco composto por atores não profissionais, as cenas filmadas com a câmera escondida em meio à multidão das ruas, desarma a impressão de fixidez que os quadros filmados, dominantes em "Amor e Sedução" e "Lanternas Vermelhas" impunham.
O abandono do elemento pictórico, que atraiu o culto em torno dos filmes anteriores do diretor, pode decepcionar seus fãs de primeira hora. Mas o despojamento assegura o alcance que a abordagem diretamente política visa, sem cair na armadilha do sucesso internacional que é esquecido no festival do ano seguinte.

Lançamento: A História de Qiu Ju
Direção: Zhang Yimou
Produção: China, 1992, 107 min.
Elenco: Gong Li, Lei Lao Sheng
Distribuição: Cannes Home Vídeo - alameda dos Guaiós, 637, tel.(011)579-6522

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