São Paulo, quarta-feira, 30 de março de 1994
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Grego traz o lamento da guerra em Ésquilo

NELSON DE SÁ
DA REPORTAGEM LOCAL

Título: Os Persas
Autor: Ésquilo
Tradução: Panos Moulas (para o grego moderno)
Diretor: Theodoros Terzopoulos
Elenco: Evriklia Sofroniadou (Atossa), Dimitris Siakaras (Xerxes e Mensageiro), Sophia Michopoulou (Dario), Tasso Dimas e Ino Menegaki (coro)
Quando: hoje e amanhã, às 21h
Onde: Sesc Pompéia (r. Clélia, 93, zona oeste, tel. 864-8544)
Quanto: Entrada gratuita, com a retirada antecipada dos ingressos na bilheteria do Sesc Pompéia

Um dos espetáculos de maior repercussão em São Paulo no início da década foi a Trilogia Antiga, com clássicos dirigidos pelo romeno Andrei Serban, em grego. Agora, no mesmo Sesc Pompéia, é a vez de "Os Persas', encenada pelo grego Theodoros Terzopoulos –e também em grego. O público deve garantir-se com a tradução da editora Jorge Zahar (1992) ou com a sinopse ao lado.
Se não é festejado como Serban, um dos diretores de ponta do teatro internacional, Terzopoulos não deixa de ter o seu reconhecimento e deve ampliar o já crescente interesse dos artistas brasileiros pelos clássicos gregos. Ele forma com o japonês Tadashi Suzuki –que trouxe "Dionísio" ano passado– e com o alemão Heiner Mueller uma trinca de vanguarda e experimentalismo no teatro.
"Os Persas", de Ésquilo (525-456 a.C), estreou nesta montagem há cinco anos, para um festival cujo tema era Violência e Paz. Muito antes, portanto, de confirmar-se com a guerra do Golfo, que reproduziu o confronto entre Ocidente e Oriente expresso em sua trama. Terzopoulos, em entrevista, faz questão de negar atualidade ao texto. Na verdade, vê exatamente o contrário.
"A peça é muito histórica e política. Eu saí disso." Em sua montagem, o mais importante tornou-se o lamento, a dor ritmada dos persas ao ver seu exército, que julgavam invencível, voltar para casa em pedaços depois da derrota para os gregos. Na batalha de Salamina, que é um fato histórico, os gregos impediram a invasão persa. Ésquilo, o dramaturgo, participou daquela batalha.
Para Terzopoulos, "Os Persas" não deve ser tomada, hoje, em sua literalidade histórica. Pelo contrário, diz ele, é apenas o mito que interessa. Ele critica abertamente o jovem diretor americano Peter Sellars, que também esteve no país no fim do ano passado, para uma palestra, e que provocou polêmica na Europa e nos Estados Unidos com uma montagem muito diversa da mesma "Os Persas".
Para o diretor grego, "a tragédia tem princípios muito concretos e não serve às especulações", que ele acredita presentes no trabalho de Peter Sellars. Lembrando que o diretor americano viu sua montagem de "Os Persas" quatro anos atrás, Theodoros Terzopoulos insiste que "a tragédia grega é um teatro do ator, em que o centro deve ser o ser humano, e não um teatro da grande decoração".
Ele diz que sua montagem "é muito simples e geométrica", concentrando-se na interiorização das emoções dos atores. Daí o lamento, que para Terzopoulos é a expressão do mito contido em "Os Persas". Um lamento que, aí sim, o diretor admite existir hoje em dia, em eventos como a Guerra do Golfo ou, de maneira bem mais próxima aos gregos, no conflito fratricida nos Balcãs.
"Se você olhar as fotografias da Bósnia, é o mesmo lamento da peça", afirma o encenador. "Eu trabalhei em cima de um lamento que ainda existe na Macedônia, no Peloponeso. Um lamento que é o mais importante de 'Os Persas'." Um lamento, um "material profundo" que ele vê presente em poucos autores contemporâneos. Consegue citar apenas dois, Samuel Beckett e um seu amigo, Heiner Mueller.
O alemão Mueller é um dos integrantes de um "comitê" criado por Terzopoulos, reunindo os encenadores mais tradicionais do experimentalismo. A idéia surgiu numa visita do diretor grego a Tadashi Suzuki, no fim dos anos 80. Em 1993, um encontro do grupo –que incluiu ainda o americano Bob Wilson e outros– defendeu a "redescoberta da força do teatro no início do século 21".
Autodenominado Teatro Olímpico, o "comitê" é presidido por Terzopoulos e está convidando o diretor brasileiro Antunes Filho como "representante da América Latina", segundo o grego. O próximo encontro está sendo programado para o ano que vem, quando serão discutidos "os conceitos das escolas" e "apresentados os trabalhos dos grandes criadores", na sua descrição.
A apresentação de "Os Persas" no Brasil será acompanhada de uma conferência em que Theodoros Terzopoulos deve falar dos "Príncipios Fundamentais da Tragédia Grega" e Antônio Medina Rodrigues, professor da Universidade de São Paulo, vai comentar "Alteridade e Intersubjetividade em 'Os Persas', de Ésquilo". A conferência está marcada para amanhã, às 15h, no Sesc Consolação –com inscrições obrigatórias pelo tel. 256-2322, ramal 147.

Texto Anterior: Iuri Temirkanov acha que reger é utopia
Próximo Texto: Conheça o enredo
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.