São Paulo, quarta-feira, 30 de março de 1994
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Iuri Temirkanov acha que reger é utopia

LUÍS ANTÔNIO GIRON
DA REPORTAGEM LOCAL

Turnê: Orquestra Filarmônica de São Petersburgo
Maestros: Iuri Temirkanov e Mariss Janson
Programa: Teatro Castro Alves (Salvador, dia 5 de abril), teatro Municipal do Rio de Janeiro (dias 7 e 8), concerto ao ar livre (praia de Ipanema, Rio, dia 9, local a definir), praça do Papa (Belo Horizonte, dia 10), teatro Guaíra (Curitiba, 17), Teatro Municipal de São Paulo (dia 20) e Parque Ibirapuera (dia 21). Horários no Rio: Municipal, às 21h; Ipanema, 18h. Em São Paulo: a confirmar
Quanto: de CR$ 20 mil a CR$ 360 mil, no Municipal do Rio (ingressos à venda); grátis no Ibirapuera e só para convidados no Municipal de São Paulo

Existe um "ranking" imaginário das dez melhores orquestras do mundo no qual a Filarmônica de São Petersburgo sempre tem lugar. Até hoje não há comprovação científica sobre o assunto, mas a OFSP goza da aura olímpica. O grupamento de 120 instrumentistas faz uma turnê pelo Brasil durante todo o mês de abril, dentro da série Concertos de Vinólia. Em São Paulo, apresenta-se no Municipal no dia 20 e ao ar livre, no Parque Ibirapuera, no dia 21.
A orquestra toca no Brasil pela segunda vez. Quando veio ao país, em 1991, ela respondia pelo nome de Filarmônica de Leningrado. No último ano, ela foi rebatizada porque a cidade de Leningrado teve seu antigo nome restituído por exigência da população.
À frente da orquestra estão dois maestros que dizem não acreditar em títulos, mas em trabalho: Iuri Temirkanov e Mariss Janson. Os dois revezam a batuta na excursão brasileira. O segundo rege em Salvador, Rio, Belo Horizonte e Brasília. Temirkanov faz Curitiba e São Paulo.
Temirkanov falou à Folha anteontem, por telefone, de Israel, onde está se apresentando. Abaixo, ele comenta as diferenças entre o seu estilo e de seu antecessor –Ievguênie Mravinski–, que regeu e marcou a orquestra por meio século. Também explica por que seu grupo está viajando como nunca pelo mundo, sem perder, diz ele, a celebrada qualidade.

Folha - Por que o programa se concentra nos românticos?
Iuri Temirkanov - Parte dele foi exigência dos empresários. Sou um profissional e toco o que me pedem. De qualquer forma, minha especialidade é século 19.
Folha - O sr. não rege música do século 20?
Temirkanov - Rejo, sim, e não tenho restrições. Só acho que compositores como Gubaidulina e Alfred Schnittke não atingem o público. Muitas vezes eu não entendo o que eles querem dizer.
Folha - Mas por que Schnittke faz sucesso?
Temirkanov - Bem, eu acho que é por causa da carga emocional de algumas obras, que toca muita gente. A OFSP interpreta o "Concerto para Piano" e pretendemos ensaiar para breve o "Requiem".
Folha - O sr. gostou do público brasileiro?
Temirkanov -Se eu não tivesse gostado, não estaria de volta. Tive ótima impressão nos três concertos que fizemos no Brasil.
Folha - Como foi o processo de mudança do nome da orquestra? Em 91, muitos músicos reivindicavam a manutenção do nome Leningrado, já que era o nome de batismo da orquestra.
Temirkanov - Nunca ouvi falar nisso. Percebo que a maioria se sente feliz com a alteração do nome, mesmo porque nossa orquestra leva o nome da nossa cidade. Se Leningrado virou São Petersburgo, nada mais natural que mudássemos também. Eu estou muito contente com a mudança. É o nome certo para o momento certo.
Folha - Como está a situação econômica da orquestra?
Temirkanov - Continuamos recebendo as mesmas subvenções do Estado e somos ainda uma orquestra estatal. Mas com a inflação o dinheiro está minguando, hoje em dia, infelizmente, nos mantemos muito mais com o dinheiro arrecadado nas turnês e nas gravações. Os músicos ainda possuem o mesmo padrão de vida de antes.
Folha - Como fica a qualidade de interpretação nesse esquema de viagens constantes?
Temirkanov - Não cai, se é o que você quer saber. Não respondo pelas outras orquestras russas. Mas da minha eu tenho certeza.
Folha - Como o sr. compara o seu estilo com o de Mravinsky?
Temirkanov -Meu contato com ele foi mais de trabalho do que de identificação estilística. Era um grande maestro romântico. Eu busco ser fiel ao que os compositores escreveram. O mais importante para mim é levar para o público a mensagem do compositor, ser uma espécie de intermediário entre a idéia musical e a recepção.
Folha - Mas a fidelidade é possível em música? Ser fiel não é uma ficção?
Temirkanov - De certa forma é uma tarefa utópica. Um maestro deve imaginar o que o compositor imaginou. E aí já entra o componente da imaginação, sem o qual seria impossível interpretar música. O maestro não deve querer ensinar ao compositor, nem querer ser mais inteligente do que ele.
Folha - Qual sua opinião sobre a moda das interpretações históricas?
Temirkanov -Gosto muito quando esses músicos tentam tocar com instrumentos originais as partituras originais. Mas eu detesto quando se vestem como no século 18 só para chamarem turistas. isso não é música.
Folha - Quais os planos de gravação da OFSP?
Temirkanov - A orquestra começa a gravar em maio o ciclo das 15 sinfonias de Shostakóvitch. Metade comigo e metade com Vladimir Ashkenázy.

Texto Anterior: Romantismo é dominante
Próximo Texto: Grego traz o lamento da guerra em Ésquilo
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.