São Paulo, sexta-feira, 1 de abril de 1994
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Cravo fala sobre seu parque de esculturas

ALBENÍSIO FONSECA
ESPECIAL PARA A FOLHA

Um acervo de 800 peças doadas e outras 200 cedidas em regime de comodato ao Estado da Bahia, pelo próprio artista, compõe o Parque de Esculturas Mário Cravo, inaugurado no dia 23 na reserva ecológica de Pituaçu (em pleno coração da orla marítima de Salvador, entre as praias do Corsário e Patamares).
São totens vegetais, objetos alados e tridimensionais, Cristo crucificado e liberto, Exus, pássaros-naves, desenhos, pinturas, projetos arquitetônicos e produções em multimídia. O parque ocupa uma área de 5.000 metros quadrados, dos 66 mil da reserva.
Mário Cravo, 72, bem humorado e impetuoso, disse, em entrevista à Folha, que o parque de esculturas é um projeto que mantinha desde a década de 50, quando fez suas primeiras exposições.
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Folha - Este parque de esculturas é o único no Brasil e na América Latina com obras de um só artista. É o único no mundo também?
Mário Cravo Júnior - Não. Há o parque de Moore, na Inglaterra. O velho Moore – que é um dos mais importantes escultores desse século – conseguiu que, de cada peça feita à maneira tradicional (a modelagem em gesso) e depois fundidas em bronze, a Coroa britânica mandasse fazer três cópias: uma para ela, uma para o próprio artista e uma para ser vendida. Tem também o parque David Smith, um artista americano que trabalhava com aço inox, e o parque de esculturas do nipo-americano Isamu Toguchi. Mas que eu saiba não há nenhum parque de esculturas no Brasil com peças de um só artista.
Folha - Não existem também os parques de esculturas coletivas no Rio e em São Paulo, dos quais você participa?
Cravo - Sim, de forma coletiva existem vários parques de esculturas. No Rio, na lagoa Rodrigo de Freitas, onde ficava a antiga favela das Catacumbas, tem um parque com obras de artistas brasileiros, em que tenho escultura. Em São Paulo, na praça da Sé, sobre a estação do metrô, tem um parque de esculturas brasileiras, do qual também faço parte.
Folha - Quais são as 200 peças cedidas em comodato?
Cravo - São 200 peças que pertencem à minha mulher e aos meus filhos, que estarei emprestando para a exposição de abertura do espaço. Porque aqui vamos ter duas áreas cobertas para abrigar as peças que não podem ficar ao ar livre; uma onde funcionará a administração e outra onde funcionará um pequeno auditório para a projeção de áudio-visuais, vídeos, computação plástica e gráfica. As últimas coisas que estou fazendo em minha vida vão ser apresentadas agora.
Folha - E quanto aos Exus e Cristos monumentais?
Cravo - São peças que produzi já há algum tempo no meu ateliê. Os Cristos foram criados a partir das madeiras que sobraram do incêndio do prédio da Alfândega (uma edificação do século 18) e nunca foram exibidos. Quando vi o que sobrou do incêndio, aquelas madeiras apresentavam uma modelagem, toda uma "anatomia", e o que fiz, eu que trabalho com sucata, foi montar os cinco Cristos. Meu filho Mário Cravo Neto fez fotos deles, publicadas em livros distribuídos pelo mundo afora, mas eles nunca foram exibidos, nem mesmo aqui na Bahia.
Folha - Quais as contrapartidas dessa doação?
Cravo - A única contrapartida estabelecida em carta encaminhada ao governador Antonio Carlos Magalhães, há oito meses, é que um membro da minha família, no caso minha filha Maria Luiza Cravo, seja a curadora desse espaço. Para mim isso aqui será apenas uma exposição mais longa. Não sou empregado nem senhor do parque que é um bem público. Embora espere que se torne em algo eterno.
Folha - É uma relação com o estado sem qualquer ônus?
Cravo - Estou sendo remunerado apenas durante três meses, para a recuperação das peças, porque não poderia fazer isso de graça. Mas cessado o contrato não terei mais nada a receber. Funciono como empresa contratada para a recomposição das peças e a instalação.
Folha - Como é esse fascínio por peças monumentais e exposições ao ar livre?
Cravo - Ao contrário dos minimalistas e seus objetos pequeninos, sou um megalômano; sempre gostei das peças gigantes. Tenho a impressão de que é uma competição comigo mesmo, até porque o grande competidor do criador é ele próprio. No início da vida a gente compete com outros criadores, mas depois que amadurecemos, após os 50 anos, temos que criar com base em tudo que acumulamos no nosso interior, na nossa experiência.
Folha - Mas do ponto de vista estético, por que grandes peças?
Cravo - O fato de criar grandes peças me leva a não retê-las em casa. Sou uma mãe de objetos espaciais. É como uma mãe que pare um filho. Ela tem que protegê-lo, cuidá-lo e botar para fora, para vida, se me permitem cruzar componentes simbólicos com aspectos da realidade humana e social.

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