São Paulo, sexta-feira, 1 de abril de 1994
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Fisiologismo à vista

A possibilidade de que cerca de 500 concessões de rádio e TV sejam utilizadas pelo Executivo como instrumento de barganha política traz consigo o velho ranço do fisiologismo. Essa ameaça surgiu com o recente anúncio, por parte do ministro das Comunicações, Djalma Bastos de Moraes, de que enviou ao presidente Itamar Franco projeto autorizando de uma só vez esse excepcional número de novas rádios.
A última vez que se utilizaram concessões com finalidades políticas foi na administração de José Sarney. O governo foi então acusado de manipulações na área de telecomunicação em troca de votos favoráveis ao mandato presidencial de cinco anos no Congresso.
O paralelismo não se deve, todavia, somente aos grandes números envolvidos. Como no episódio de Sarney, o país está em ano eleitoral. Não só isso, mas o governo precisa em breve aprovar no Legislativo temas de grande importância, como a medida provisória que cria a URV e o Orçamento de 1994, no qual pretende-se um equilíbrio fiscal.
Tem-se, portanto, o palco armado para a repetição do vergonhoso espetáculo do "é dando que se recebe". Ainda que os atuais objetivos do governo pareçam mais sintonizados com as necessidades do país do que o desejo de cinco anos do presidente Sarney, a utilização de concessões públicas como moeda de troca é sempre inaceitável.
A falta de critérios claros para selecionar dentre os 5.000 pedidos existentes aqueles que receberão as concessões coloca a mesma suspeita de fisiologismo sobre o atual projeto. O fato de que a lei faz pouquíssimas exigências para que o candidato se qualifique à concessão não justifica de maneira alguma que o Executivo distribua esses direitos a seu bel prazer.
O ministro declara que o projeto se destina a reativar o mercado de telecomunicações e nega que tenha qualquer relação com o calendário eleitoral. No entanto, para convencer a opinião pública de que não haverá mesmo fisiologismo e troca de favores, não basta apenas declarar boas intenções. É necessário estabelecer com cristalina transparência qual será o método de seleção.

Texto Anterior: FHC e depois
Próximo Texto: O comício
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.