São Paulo, sexta-feira, 1 de abril de 1994
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O comício

CLÓVIS ROSSI

SÃO PAULO – O aroma que o poder exala, mesmo quando ainda é uma hipótese algo distante, é capaz de enlouquecer o ser humano. Só assim pode-se entender a sanha com que alguns caciques do PSDB lançaram-se sobre os órfãos de Paulo Maluf, quando o cadáver do pai-candidato sequer havia esfriado.
A bem da verdade, diga-se que uma coligação do PSDB com o PPR de Maluf seria coerente com a trajetória dos "tucanos". Uma parte ponderável do partido correu para o colo do então presidente Fernando Collor de Mello, não no início do governo, quando ainda poderia haver alguma ilusão a respeito de como era, de fato, o presidente. Os "'tucanos" assanharam-se quando o olor que vinha dos porões da Dinda e do Palácio do Planalto já era revelador. Natural, portanto, que, mais recentemente, o PSDB tenha se entusiasmado com a hipótese de coligação com o PFL. E, agora, o percurso se completa com o assanhamento em torno do PPR.
Aqui do meu canto, admito que mal posso conter a expectativa para cobrir o comício de encerramento da campanha PSDB/PFL/PPR. Já antevejo até alguns momentos formidáveis.
Por exemplo: o locutor-animador Osmar Santos pede silêncio à massa. O alto-falante explode ao som de "Caminhando", a simbólica música de Geraldo Vandré, no trecho que diz: "Somos todos irmãos, braços dados ou não". Aí, sobe as escadas do palanque Fernando Henrique Cardoso, ao centro, de braços dados com Antônio Carlos Magalhães e Delfim Netto.
A multidão tem orgasmos, mas, distraída, começa a entoar um velho cântico: "Um, dois, três, quatro, cinco, mil/queremos que o Maluf vá pra". Osmar Santos, rápido no gatilho, interrompe. "Garotinhas e garotinhos, calma, que o momento é de união nacional. Vamos esquecer tudo o que escrevemos antes. Digo, tudo o que cantamos antes".
Ao longe, quem apurar o ouvido poderá ouvir Chico Buarque, em "Quem te viu, quem te vê", no refrão "quem não te conhece, não pode nem ver para crer/quem jamais esquece não pode reconhecer".

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