São Paulo, sexta-feira, 1 de abril de 1994
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O sinal da cruz

CARLOS HEITOR CONY

RIO DE JANEIRO – Ninguém sabe quem inventou a roda. Ela teria de ser inventada um dia, por necessidade do engenho humano. Não foi uma descoberta gratuita como a cruz. William Barrett não é muito citado, seu romance, "O Sinal da Cruz", beira a subliteratura e o filme de Cecil B. de Mille nele baseado só é citável por causa de Charles Laughton no papel de Nero. Barrett escreveu um prefácio para o livro. Imagina ele dois carpinteiros trabalhando na modesta oficina junto ao morro do Templo, em Jerusalém. Aplainam as madeiras, uma de 12 pés de altura, outra de seis. Sabem vagamente que os dois madeiros, em forma de cruz, serão levados por um tal de Jesus de Nazaré, que neles será crucificado.
Terminam a tarefa e vão beber na taberna próxima, antes que comece o sábado da semana do Pessach. Diz Barrett: – "Nenhuma pedra esculpida por Fídias ou Michelangelo, nenhuma obra da arte, nenhum manuscrito precioso da História ou do pensamento humano podia empolgar a imaginação, tocar o coração e perturbar a alma quanto as duas peças toscas que haviam fabricado."
Ligadas uma à outra, elas iniciavam o mais assombroso destino traçado a qualquer outra obra feita por mão humana. Humberto de Campos, outro que ninguém mais cita, lembra que os Césares jamais conseguiram destravar aqueles dois pedaços de madeira. "Com ela, homens desarmados enfrentaram príncipes poderosos e generais invencíveis. Com ela, Leão Magno vai ao encontro de Átila salvando Roma do saque e da devastação". No punho dos guerreiros, nas velas das naus que descobriam novos mundos, ela percorreu um caminho inexplicável. Dois homens a fizeram. Outro homem a carregou nos ombros. Ela estará presente no túmulo dos vencidos, na espada dos vencedores, na testa das crianças, sobre o peito dos que morrem.
Ao apresentar o plano piloto de Brasília, Lúcio Costa disse que a idéia da nova cidade nasceu de dois eixos que se cruzam, como quem assinala um ponto ou dele toma posse: o próprio sinal da cruz. E tudo teria nascido numa oficina humilde, à sombra do morro do Templo, dois mil anos atrás.

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