São Paulo, domingo, 3 de abril de 1994
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A URV e 30 anos de indexação

LUIS CARLOS MENDONÇA DE BARROS

A URV está completando um mês e já deve morrer nos próximos 60 ou 90 dias. E com um pré-aviso de 35 dias! Apesar disto, a URV poderá ser lembrada como a última mágica de uma experiência que começou 30 anos atrás, com a criação da correção monetária pelo governo Castello Branco.
O funcionamento da economia com duas moedas mostrou a incrível capacidade de adaptação de nossa sociedade e do mercado, inclusive o sistema financeiro.
Os trabalhadores sentiram que a indexação pela URV era um mal menor. Os primeiros salários a serem recebidos no início de abril devem reforçar este sentimento, apesar das críticas sobre evetuais perdas.
A dispersão dos índices de inflação, com o IGP-M da FGV liderando a alta, vai permitir aos adversários do Plano FHC sustentar que a URV não protege os salários. Crítica que não procede, porque nos próximos meses a inflação em cruzeiros reais deve convergir para um número mais homogêneo.
Do lado dos preços de bens e serviços, parece que estamos caminhando para uma fase de ajuste. Aliás, é neste universo de contratos que a URV mostra de forma clara sua importância.
Desde o fracasso do cruzeiro que tomamos consciência da dificuldade que nosso sistema de indexação trazia para um plano de estabilização. Ao contrário das economias inflacionárias dolarizadas, como a da Argentina, os preços no Brasil não estavam sincronizados em seus aumentos. E apresentavam a armadilha da inflação futura nos preços a prazo.
Finalmente, tínhamos o lucro financeiro substituindo a margem comercial. Isto é, o comércio comprava um produto por 100 para pagar em 30 dias e vendia por 80 à vista. Esta mágica era possível pelo lucro com o overnight. Com a URV não é mais possível.
A solução destes e outros problemas pela utilização da URV fica cada dia mais clara e parece hoje fadada ao sucesso. O crescimento dos preços deve convergir para taxa implicita da URV nos próximos dois meses, permitindo a fase do real.
Aqui a coisa fica mais complicada. A desindexação total da nossa economia, mesmo em condições macroeconômicas favoráveis, é um salto no escuro. Mas vamos, neste domingo de Páscoa, ficar com o gosto da vitória da URV.

LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS, 51, engenheiro, é diretor do Banco Matrix S/A e professor do curso de doutorado do Instituto de Economia da Unicamp.

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