São Paulo, domingo, 3 de abril de 1994
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Gerente ou presidente

ANTONIO KANDIR

A confirmação da candidatura de Fernando Henrique suscita a pergunta inevitável: como fica o plano sem seu principal condutor à frente do Ministério da Fazenda? Fica bem, obrigado, ou crescem as dificuldades para conduzi-lo a bom termo?
Os que preferiam a permanência de FHC temem que o governo perca seu elo de ligação com o Congresso e os atores sociais organizados. Nesta visão, FHC deveria ficar para firmar-se como gerente do plano de estabilização.
Trata-se, a meu ver, de uma visão equivocada por desconhecer ou minimizar o elemento central de todo processo de estabilização: as relações de poder.
A estabilização é um processo que afeta interesses e altera a relação de forças no Estado e na sociedade. Caracteriza-se, em sua fase inicial, pela exacerbação dos conflitos, ainda mais quando coincide com o processo eleitoral.
Num ambiente em que as relações de poder estão fortemente tensionadas, a permanência no ministério com data certa para sair resultaria em brutal enfraquecimento da capacidade de interferência de FHC no processo de estabilização.
Na condição de candidato a presidente, ao contrário, FHC se fortalece como condutor do processo, pois se afirma como ligação possível entre o presente e os próximos quatro anos de mandato presidencial. Senão vejamos.
Dentre os problemas que o plano terá de superar, dois são absolutamente decisivos. O primeiro é impedir que a MP 434 seja alterada substancialmente no Congresso. O segundo é criar perspectiva favorável para a continuidade e aprofundamento da estabilização no próximo período presidencial.
FHC teria mais dificuldade em garantir o apoio no Congresso como ministro do que tem como candidato. Como candidato, está em condições de articular forças políticas que sejam, a um só tempo, base de sustentação parlamentar ao plano e parceiros numa aliança eleitoral visando a Presidência da República. Fosse ministro, que razões de peso teriam outras forças políticas para dar sustentação em ano eleitoral?
Raciocínio parecido se aplica ao segundo dos problemas. Na falta notória de outro candidato de porte e perfil semelhantes, a permanência de Fernando Henrique no cargo teria transformado o plano de estabilização num projeto sem perspectiva.
Ocorre que a estabilização não é uma corrida de 100 metros. É uma maratona de várias etapas. Se os participantes desta maratona percebem que a pista pode terminar logo adiante, a tendência é que busquem rotas de fuga por antecipação. Os primeiros a fazê-lo são os que, sem fôlego para competir, para viver num ambiente econômico sem inflação, não vêem a hora de "melar" o jogo.
A presença de Fernando Henrique na disputa sucessória confere ao programa de estabilização a perspectiva de continuidade e aprofundamento que é vital para sua sobrevivência no correr de 1994. Só na condição de candidato forte à presidência, Fernando Henrique terá condições de convencer os agentes econômicos de que o programa em execução não descreverá o "vôo da galinha" que levanta aqui para desabar logo adiante.
Todo o argumento, porém, não teria validade se a figura do substituto de Fernando Henrique sugerisse descontinuidade nas linhas-mestras do programa, fosse pessoa que não representasse denominador comum entre Itamar e a equipe econômica ou não estivesse à altura do cargo.
Felizmente, não é o caso. Ainda que não se possa prever o futuro, a escolha de Rubens Ricupero preenche todos os requisitos e cria perspectiva favorável quanto à gerência competente do plano.
Tudo isso não elimina os riscos da escolha feita por Fernando Henrique. Mas a tranquilidade aparente e episódica que traria sua permanência no cargo representaria risco ainda maior ao plano de estabilização.

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