São Paulo, segunda-feira, 4 de abril de 1994
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Uma instituição invertebrada

LUÍS NASSIF

Quem primeiro embargou bens de membros do governo acusados de enriquecimento ilícito foi o Ministério Público estadual paulista. Quem deu início à verdadeira operação mãos-limpas, decretando guerra aos bicheiros, foi o Ministério Público estadual carioca –auxiliando uma juiza corajosa. Quem solicitou a prisão de PC Farias foi um juiz federal. Quem deflagrou o escândalo do Orçamento foi a Polícia Federal. O flagrante que permitiu comprovar o esquema de corrupção das empreiteiras foi conduzido por parlamentares.
Em nenhum grande episódio recente de moralização da vida pública, observou-se a participação efetiva do Ministério Público Federal. Apenas em colunas sociais ou em temas sem risco, que conferiam um ibope fácil –como no massacre de índios na Venezuela.
Mais de cinco anos depois de ter recebido prerrogativas constitucionais –e depois de ter melhorado substancialmente sua situação funcional– o MPF não conseguiu se firmar como Poder autônomo e atuante, tornando-se fonte perene de descrédito da Justiça.
O processo contra Leopoldo Collor de Mello está parado há mais de um ano, sem sequer ter se transformado em inquérito. O processo contra o ex-presidente da Telesp, Antonio Ignácio de Jesus, morreu. O processo contra o ex-corregedor Raymundo Nonato parou. Não se moveu uma palha para apurar a manipulação de pareceres da União, envolvendo o ex-consultor José de Castro. Todos esses casos sequer chegaram a ser encaminhados à Justiça.
No processo contra Fernando Collor, o trabalho meticuloso de um delegado federal e meses de investigação de uma CPI foram comprometidas por uma peça acusatória considerada inepta, de autoria do próprio procurador-geral.
Recentemente, depois da imprensa entrar em cena, descobriu-se que há mais de um ano estava parado no MPF processo contra o atual ministro do Desenvolvimento Regional, Aluizio Alves (quando era ministro da Administração no governo Sarney), aguardando parecer do procurador geral. O governo Sarney terminou há quatro anos. Uma pesquisa séria irá revelar centenas de processos devolvidos pelo Supremo Tribunal Federal ao MPF e parados há anos a espera de um parecer.
O MPF registra um caso heróico recente –o escândalo da mandioca, que custou a vida a um bravo procurador federal. O procurador substituto não conseguiu juntar elementos necessários para punir culpados, sequer para embargar-lhes os bens. Tudo terminou em pizza. O procurador substituto era Aristides Junqueira.
O mesmo Junqueira, que consta do livro "Tortura, Nunca Mais" como autor do parecer que, em 1974, permitiu ao Supremo Tribunal Federal condenar a um ano de prisão o preso político João Henrique Ferreira de Carvalho, em cima de provas colhidas em instrução policial –uma arbitrariedade que contrariava a tradição jurídica brasileira, inclusive o artigo 297 do Código de Processo Penal Militar.
Indicado procurador-geral, Junqueira sempre recorreu à desculpa de que faltavam instrumentos legais. O álibi era falso, como demonstrou o MP paulista, ao invocar a lei do colarinho branco para embargar bens de autoridades suspeitas de enriquecimento ilícito.
Confrontado com tais dados, em fins do ano passado Junqueira anunciou que iria se valer da lei para modificar a atuação do MPF. De lá para cá, nada foi feito, a não ser uma liminar impedindo empresas suspeitas de darem propinas ao esquema PC de venderem ao governo, mesmo não tendo sido condenadas pela Justiça.
Há grandes procuradores federais em atividade, empenhados em cumprir da melhor maneira seu trabalho. Mas a corporação, como um todo, é invertebrada. Provocações sobre seu desempenho não são suficientes para despertar-lhe os brios –como ocorreu com seus colegas paulistas. Jamais conseguiu se organizar para além da defesa de seus interesses funcionais.
Não é por outro motivo, que o Executivo criou uma Comissão Especial de Inquérito para apurar abusos na administração federal. Fôsse o MPF um órgão atuante, a CEI teria sido dispensável.

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