São Paulo, quinta-feira, 7 de abril de 1994
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Estelionato intelectual

GILBERTO DIMENSTEIN

BRASÍLIA – Há um detalhe na aliança entre PFL e PSDB que, em particular, me irrita –e é um problema exclusivamente pessoal. É a perda de tempo. Explico melhor. Não foram poucas as horas de minha vida que gastei lendo artigos e entrevistas de dirigentes do PSDB, expondo um projeto ético para o país. Um projeto no qual não caberia nunca, jamais, em tempo algum a fisiologia.
Eles encheram páginas e mais páginas de jornal, explicando, orgulhosos, que criaram o PSDB porque não aceitavam em hipótese alguma compor com a fisiologia. Bateram duro e, muitas vezes com razão, no PMDB, de onde saíram. Elegeram (e também com certa dose de razão) Orestes Quércia como alvo preferencial.
Lamento usar essa expressão, até porque no PSDB existem políticos que considero de altíssima qualidade, entre eles Fernando Henrique, com uma brilhante biografia, um intelectual que colocou sua inteligência sempre a serviço da democracia e sensibilidade para com os miseráveis. Mas, na ânsia do poder, estão cometendo um estelionato intelectual. Venderam um "produto" e estão entregando outro.
Para completar, a vice deve ser entregue, através de seu filho, a Antônio Carlos Magalhães. Até pouquíssimo tempo, ACM tinha como idéia fixa evitar o impeachment de Fernando Collor. E, antes de Collor, ele fez do Ministério das Comunicações uma festival de distribuição de emissoras de rádio e TV, beneficiando, inclusive, seu esquema eleitoral na Bahia.
Como analista político, reconheço que, com essa aliança, o PSDB está com um pé no segundo turno. É um acordo extremamente conveniente, compensando o partido em áreas vulneráveis. Não há dúvida, por exemplo, de que ACM é um dos gigantes de votos no Brasil –e, de longe, um dos mais espertos políticos profissionais do país. Raramente perde.
Se chegar ao segundo turno, unindo da direita a setores da esquerda, Fernando Henrique tem enormes chances de ganhar de Luiz Inácio Lula da Silva –que, diga-se, consegue fazer alianças iguais ou até mais comprometoras. Como a aliança com o PC do B.
Tudo bem. Eles podem até ganhar as eleições. Mas, por favor, parem com essa lenga-lenga de ética acima de qualquer coisa. Pelo menos para economizar o tempo dos leitores.

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