São Paulo, sábado, 9 de abril de 1994
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Lei moderniza mercado audiovisual

ARNALDO JABOR
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

Acaba de acontecer uma revolução cultural na Fiesp. Depois de décadas de um cinema filial e dependente, parece que o trauma de Collor (sempre este homem fatal), por vias tortas, foi um ensinamento para os produtores de cinema.
Dentro da nova Lei do Audiovisual, os empresários brasileiros estão estimulados a investir em cinema, com dedução no Imposto de Renda, operando através das Bolsas, num projeto aperfeiçoado pela Andima (Associação Nacional das Instituições do Mercado Aberto), com aval da CVM (Comissão de Valores Mobiliários) e do Ministério da Cultura. Finalmente, um fato novo na cultura.
No Brasil, há um arcaico horror em casar criação e mercado. Cultura rima com sepultura. Convencionou-se que ao Estado caberia manter a pureza de nossa arte, protegendo-a da sujeira do capitalismo. Isto criou uma geração de produtores despreparados para a competição e cineastas incapazes de dialetizar seu recado com a comunicação com o público.
Não sabíamos que "o fabuloso está no mercado", como disse Paul Valéry, insuspeitado mestre do refinamento poético. Quando acabou a sopa do Estado financiando transgressões ociosas, os produtores brasileiros se sentiram desamparados como nações do Leste Europeu depois do fim do socialismo.
O corporativismo e o protecionismo estavam (e estão ainda) entranhados na alma de muito artista. Quatro anos de solidão mostraram que o "fabuloso" pode ser a fina busca de alguma coisa que nasça do imprevisível desejo no ar, de um mercado de verdades não ditas, que clamam por existir. A estupidez maniqueísta divide o mundo em "comercial" e de "arte", os filmes em puros e sujos, a vida em poesia e administração.
Claro que agora ficou mais sutil a tarefa. Há muito mais perigos no ar, perigos de se prostituir, de ser "profundo" demais, perigo de ser obtuso e, maior perigo de todos, de não ter talento e de ser invendável, incomprável. O Estado protegia a falta de talento. Aos cineastas será dada a tarefa de descobrir o novo sob o óbvio, o inventivo sob a capa da comunicação fácil.
O ministro da Cultura Luiz Roberto do Nascimento e Silva mostrou a novidade deste momento dizendo que "muitas novas formas de gerir a atividade vão surgir, como a figura dos agentes, dos produtores, dos executivos da arte do cinema".
Nasce hoje uma idéia mais anglo-saxã de indústria cultural, de que arte é negócio, dá lucro, contra a idéia contra-reformista de que arte é "gueto" amparado pelo Estado. A beleza da novidade é maior que o medo de virarmos uma Hollywood medíocre e copista.
Claro que estamos alertas contra as ciladas do neoliberalismo, como ainda disse o ministro Nascimento e Silva, que "cabe ao Estado manter os fluxos vivos e não produzir cultura. Quem produz são os artistas e empresários". A diversidade cultural do país é muito maior que os temores do mercado "sem alma".
Luiz Carlos Barreto e Anibal Massaini, produtores, disseram que temos "uma matéria-prima cultural inexplorada, como se tivéssemos grande jazidas de ouro intocadas. Temos uma diversidade humana profunda, uma diversidade de regiões culturais".
O lançamento do cinema no mercado de capitais é, nas palavras do presidente da Andima, José Carlos Oliveira: "A união entre a idéia e o capital", ou seja, uma idéia na cabeça e capital sob os pés. A nova economia gera uma mudança estética, como disse Miguel de Faria Jr, secretário do Audiovisual do Minc, "o cinema virá agora no centro de uma cruz de novidades –o incentivo para o desenvolvimento tecnológico, para a exibição (salas), co-produção com estrangeiros e ações no mercado aberto."
Isso vem no momento em que se descobre a "modernidade do mercado de ações, vindo de baixo para cima, democratizando o capital, tendência nova, depois de 30 anos da cúpula para as bases", declarou o presidente da CVM, Thomas Tosta de Sá, em uníssono com Carlos Eduardo Moreira Ferreira, presidente da Fiesp, e Alcides Tápias, presidente da Febraban. Finalmente, artistas em companhia adulta.
Mercado também é cultura. A mudança econômica deve gerar um avanço estético.

Texto Anterior: Acordo dá 900 mil URVs à Cinemateca
Próximo Texto: Programa de TV arrecada US$ 8,7 mi
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.