São Paulo, domingo, 10 de abril de 1994
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Romário quer parar de jogar aos 30 anos

MATINAS SUZUKI JR.
ENVIADO ESPECIAL A BARCELONA

O Romário de Souza Faria que me recebeu no caríssimo hotel Rei Juan Carlos 2º, local da concentração do time do Barcelona, é um homem discreto e sereno.
O Barça está disputando palmo a palmo a liderança do Campeonato Espanhol com o Deportivo La Coruña, o time dos brasileiros Bebeto, Mauro Silva e Donato (naturalizado espanhol).
Vestido com o agasalho verde do clube e segurando um boné branco nas mãos, o artilheiro do Campeonato Espanhol está longe de ter uma vida sossegada que se imagina para as mega-estrelas do futebol.
No dia anterior, havia sido durante criticado pelo seu técnico, o holandês Johann Cruyff, que é exigente e cobra muito do seu verdadeiro "dream team" (o Barça tem a maior concentração de craques por metro quadrado de gramado do planeta).
Antes de conversar comigo, Romário falou amistosamente com Cruyff, ali mesmo no imenso hall do hotel, e não havia nenhum sinal de ressentimento. "Cobranças são naturais e ainda vou ser bastante cobrado", declarou à imprensa espanhola, que esperava alguma reação mais intempestiva do jogador.
Nenhum sinal da decantada rebeldia. Com satisfação, interrompeu a nossa entrevista por alguns minutos para tirar cinco fotografias junto com os convidados de um casamento que se realizava no hotel.
Depois, brincou um pouco com o seu colega de quarto nas concentrações e no ataque do Barça, o búlgaro Hristo Stoitchkov –que divide com Romário o coração da mais do que fanática garotada que torce pelo principal time da Catalunha.
Barcelona, orgulhosa da sua arquitetura gótica, dos seus artistas e da sua identidade, incorporou Romário como uma das suas principais atrações turísticas.
Quem desce as famosas Ramblas, não pode deixar de ver a festa das camisas 10 "azulgranas" (azuis e vermelhas) dependuradas nas lojas de recordações da cidade.
Nelas, acima do número, estão as sete letras que unem as esperanças brasileiras e catalãs: Romário.
*
Folha – O Campeonato Espanhol é mais duro do que o Campeonato Holandês?
Romário – Não é propriamente um campeonato mais duro. É um campeonato mais difícil. Em certo aspecto, na Holanda o campeonato chega até a ser mais duro porque o futebol lá é menos técnico.
Aqui o campeonato é mais difícil porque a qualidade é muito melhor. Cada time tem no mínimo dois bons jogadores. Tecnicamente, o futebol espanhol hoje é um dos melhores da Europa.
Aqui também o futebol é diferente do futebol brasileiro. O futebol brasileiro andou sendo um futebol muito violento. Na Espanha, os defensores marcam muito duro, mas sempre com aquela preocupação de ir na bola.
Em geral, por aqui, é até fácil de se jogar. Mais fácil do que jogar em outros lugares.
Folha – Você sente que aqui o ataque tem um apoio mais constante do meio-de-campo e da defesa?
Romário – Em geral, o futebol espanhol é mais defensivo que o brasileiro. Mas não se pode julgar o Campeonato Espanhol pela maneira de jogar do Barcelona. Porque não existe time no mundo, nem no Brasil e nem a seleção brasileira, que jogue como nós jogamos.
O Barça não é ofensivo, ele é super-ofensivo. Nós só jogamos com dois jogadores no sistema defensivo. Em nenhum time do mundo existe isto. Nós jogamos de maneira hiper-ofensiva, mas esta não é a realidade do resto do Campeonato Espanhol.
Folha – Um caso típico seria o Deportivo La Coruña?
Romário – O La Coruña joga o tipo do futebol retrancado. Eles jogam com o Bebeto e mais um na frente. O resto todo fica na defesa.
Folha – A seleção brasileira, olhada do ponto-de-vista de quem está dentro do panorama europeu, é a favorita para o Mundial?
Romário – Na minha opinião, o Brasil é de longe a melhor seleção. Se não tivermos problemas externos, fora do campo, o Brasil vai conseguir ser campeão. Mas existem outras grandes seleções.
A Alemanha, pela tradição e pela disciplina dentro do campo, a Colômbia, que foi uma grata surpresa e, pelo o que eu estou vendo nesta Copa Africana, a Nigéria, poderá ser outra grande novidade.
Folha – Qual será o adversário mais difícil?
Romário – Pela determinação e pela disciplina, o maior adversário nosso vai ser a Alemanha. Já no grupo brasileiro, eu acho que a Rússia tem melhor seleção do que as outras duas. E também porque será o nosso primeiro jogo.
Folha – E quais serão os principais jogadores?
Romário – Eu gosto de ver jogar o Baggio, o Laudrup, o Stoitchkov... Estes.
Folha – Você gosta de acompanhar e assistir partidas de futebol?
Romário – Eu gosto de jogar futebol, mas não gosto de ver. Se eu estou em casa, não tenho nada para fazer, se houver algum jogo na TV, eu vejo. Mas não sou muito fanático. Quando o Barcelona joga e não estou na partida, eu não vou ao jogo.
Folha – Você vê alguma perspectiva de continuar no futebol depois de parar de jogar?
Romário – Eu sempre fiz planos para parar de jogar com 30 anos. Eu tenho dois anos mais de contrato e devo parar de jogar em junho de 1996. Eu continuo com estes planos. Eu acho, mas não tenho certeza, que depois eu não vou fazer nada ligado ao futebol.
Eu já deveria começar a pensar nisto porque já está chegando a hora, mas agora meu pensamento todo está voltado para o Barcelona, que está na reta final do campeonato e na Copa Européia, que são duas coisas importantes para mim, e na Copa do Mundo.
Folha – Você sente que esta Copa será algo decisivo na sua carreira?
Romário – Eu acho que eu não preciso demonstrar mais nada para mim mesmo. Eu sei quem eu sou. Mas eu sei também que no mundo do futebol eu não sou uma pessoa que chegou lá onde chegaram um Pelé, um Cruyff, um Beckenbaeur, um Maradona.
Falta esta conquista. Não para mim, pessoalmente. Mas para o mundo futebolístico. Porque eu ainda não ganhei uma Copa do Mundo ou títulos internacionais como este jogadores ganharam.
Então, para mim, o Mundial será uma grande vitrine. Mas eu vou entrar pensando que é apenas mais um campeonato, porque foi sempre assim que as coisas deram certo para mim. Foi assim na Holanda, em outros campeonatos e no jogo pela seleção brasileira contra o Uruguai.
Eu sempre entro em um jogo pensando que são dois pontos que estão sendo disputados.
Folha – Depois de tanto tempo fora do Brasil você ficou surpreso em voltar ao Maracanã como uma unanimidade nacional?
Romário – A torcida carioca sempre teve um grande carinho por mim. Principalmente quando se falava em seleção. Mas eu não sabia que este carinho se estendia a todo Brasil. Para mim foi uma grata surpresa e eu fiquei bastante feliz. Foi importante ter dado uma alegria para uma população tão sofrida e que espera tanto do futebol.
Folha – Como você vê daqui, de longe, a miséria dos meninos de rua no Brasil?
Romário – A minha maior tristeza é quando eu penso no Brasil por este lado. Para mim, o meu maior triunfo, a minha maior vitória pessoal nestes últimos anos foi o jogo contra o Uruguai porque eu vi o povo brasileiro sorrir. Eu consegui fazer isto. Eu fico até arrepiado quando eu digo isto.
No país as crianças passam fome, tem estas matanças, estes sequestros... Então aquele dia e no dia seguinte, eu via nas pessoas a alegria. Foi uma realização incrível poder fazer este povo feliz. Esta foi a maior vitória minha nestes anos todos de futebol. E eu espero poder fazer isto de novo na Copa do Mundo.
Folha – Você tem intenção de votar em alguém nestas próximas eleições presidenciais?
Romário – Eu acho que todos nós devemos nos preocupar. Está na hora do Brasil tomar um jeito. Na última eleição eu votei no Lula. Eu não quero dizer com isto que eu estou pedindo votos para o Lula. O voto de cada um tem que ser consciente.
Eu acho que o Lula é a cara do Brasil. É um cara sofrido, é um cara que veio de baixo. É um cara que não tem a cultura de muitos outros que foram presidentes, mas ele é um cara que tem liderança. O Brasil precisa de uma pessoa como esta.
Na última eleição eu votei no Lula. Ganhou o Collor. Depois de três meses, eu até cheguei a pensar que realmente o povo tinha razão. Eu cheguei a achar que o Collor daria um jeito. Mais uma decepção. E decepcionou todo o povo brasileiro.
Nas próximas eleições eu acho que o Brasil tem que pensar bem. Para não cair no mesmo erro em que caiu na última. Não adianta ir à televisão para falar bonitinho. O presidente precisa ser um batalhador. E eu vejo esta qualidade no Lula.
Veja bem, eu não estou pedindo a ninguém para votar no Lula. Mas este ano eu vou votar de novo nele. Eu posso até estar enganado, mas o Lula me passa esta coisa de que ele vai dar um jeito no Brasil.
Folha – Onde você investe o dinheiro que ganha?
Romário – Eu acho que o jogador de futebol tem muito pouco tempo para se meter em negócios. O dinheiro que eu ganho eu deixo aplicado no banco. Eu só comprei um apartamento para viver e um lugar para os meus pais. Eu não tenho tempo para cuidar de um negócio.
Folha – Você vai mesmo encerrar a sua carreira no América (do Rio)?
Romário – Este é um sonho meu. Dar este presente para o meu pai. Por ele, eu tenho que fazer isto. Nem que seja para jogar apenas uma partida com a camisa do América. No Brasil, eu sou americano e salgueirense.

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