São Paulo, quarta-feira, 13 de abril de 1994
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

O escândalo dos problemas

JANIO DE FREITAS

O único documento de registros contábeis com aparência de autêntico, dentre os examinados até agora como provenientes dos banqueiros do bicho, não confirma pelo menos duas das principais denúncias feitas pela Procuradoria de Justiça do Estado do Rio contra políticos. São as que atingiram o governador fluminense Nilo Batista e o prefeito carioca César Maia, que não aparecem no livro-caixa onde estão registradas, dia a dia, as despesas do comando do bicho. Já o candidato do PSDB ao governo fluminense merece um registro de saída no livro-caixa em 27 de setembro de 88, quando era candidato à prefeitura do Rio: "Despesa política Marcelo Alencar – Cr$ 15.000,000,00".
A observação dos papéis indica que no caso do jogo do bicho, a esta altura, há duas complexidades. Uma, do caso em si, ou seja, da corrupção aplicada à polícia e do envolvimento financeiro na atividade política. Outra, a complexidade criada dentro do caso pelo tratamento que a Procuradoria lhe tem dado, seja no aspecto técnico, seja no da apresentação pública do assunto.
Entre a papelada e disquetes examinados, encontram-se dois tipos de registros contábeis. O que tem a aparência de autenticidade é um livro-caixa típico, com a numeração impressa das páginas, capa preta. Nela foi feita a inscrição "Cúpula". Manuscrita, a contabilidade diária cobre o período de 87 a março de 94.
O outro registro contábil são folhas soltas, datilografadas, referindo-se apenas ao período de 90 a 94 e que poderiam ser, todas, de produção simultânea e recente. Foram usadas, conforme o período da contabilidade, letras diferentes de datilografia, o que poderia sugerir a substituição de grupos das folhas ou o uso de várias máquinas para a produção, ao mesmo tempo, deste suposto conjunto contábil. Seria indispensável, portanto, uma perícia das folhas, mas a Procuradoria não a providenciou. E nestas folhas é que aparecem os nomes de Nilo Batista e César Maia, não encontráveis no livro-caixa.
A perícia das folhas é ainda mais necessária por apresentarem rasuras estranhas. Nas letras "N.L.", por exemplo, a segunda foi alterada à mão para transformar-se em B. E em seguida escrito, também à mão, o nome Nilo. Nas letras "J.V." foi acrescentado, sempre à mão, "icente". E daí saiu a divulgação de que se trata de João Vicente Brizola. Mas existem João Vicente Filho e João Vicente pai.
É estranho, também, que os totais de despesas mensais sejam os mesmos, sempre precisamente, no livro-caixa e nas folhas soltas, mas as despesas indicadas são diferentes. É evidente que os totais do livro-caixa serviram para montar as listas datilografadas de despesas, mas por que, com que propósito, foram mudados itens de despesas e pagamentos, acrescentando-se nas folhas nomes que não figuram no livro-caixa? A Procuradoria não tem explicação para isso, embora baseasse suas denúncias sobretudo nas folhas soltas. E às vezes nem nelas nem no livro-caixa, mas só na precipitação.
No escândalo do bicho, tudo precisa recomeçar do zero.

Texto Anterior: Itamaraty não vai apresentar protesto formal
Próximo Texto: Votação nas eleições poderá ser feita em duas urnas
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.