São Paulo, quarta-feira, 13 de abril de 1994
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Caos dos 'sebos' esconde raridades

RICARDO BONALUME NETO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Vender livros usados é uma arte. Assim como existem artistas de todos os tipos, também existe uma variedade grande de livreiros, com um grau variado de amor pelos objetos que vendem, ou pelo lucro que eles podem proporcionar.
É por isso que comprar livros usados também é uma arte. A pessoa precisa saber onde estão os livros, quais livreiros são uma ajuda ou um empecilho, e onde os preços são mais razoáveis. São Paulo é provavelmente a melhor cidade do país para se procurar um livro raro, esgotado ou simplesmente a um preço mais barato.
Muitos "sebos", o nome nada elegante que se dá a esse tipo de livraria, são puro caos. O comprador deve ir a eles como um garimpeiro confiante em achar um veio de ouro, mas sabendo que vai ter de peneirar muito até chegar a ele.
O primeiro cuidado é determinar se a expedição é de garimpagem, ou se a busca tem um objetivo preciso. Nesse último caso, é bom se preparar para pagar um preço alto. Os sebos mais bem organizados costumam ser mais careiros.
Existem exceções a essa regra, como o Calil (veja endereços no quadro). Todo livro tem um código, um multiplicador, o que torna fácil ao visitante checar os preços.
Essa regra geral é a marca de um bom sebo: códigos com preços facilmente verificáveis. O pior tipo de sebo é aquele que faz o preço de acordo com a cara do freguês.
Outro sebo tradicional, o Brandão, tem esse grave defeito. É muito bem organizado e a chance de alguém achar o livro que procura é grande. Mas os preços, sempre altíssimos, são de acordo com a cara de quem compra. De uns tempos para cá alguns poucos livros passaram a ter "códigos", mas nunca estão acessíveis.
Os preços de livros em sebos variam de modo quase inacreditável, daí a necessidade de fuçar sem pressa. Um livro de arte, "Pinturas e Pintores do Rio Antigo", foi cotado há alguns dias na Brandão por CR$ 65 mil. Na Livraria Kosmos, a alguns quarteirões, o mesmo livro –novo– estava sendo vendido por CR$ 37 mil.
Livro "usado", convém lembrar, não é sinônimo de barato. Outros exemplos mostram como os preços são volúveis.
"O Rio de Janeiro no Século Dezessete", de Vivaldo Coaracy de 1965, custa hoje CR$ 6 mil na livraria Sereia. As "Memórias" de Mascarenhas de Moraes, custavam CR$ 3.600 na Sereia.
No Calil, os dois livros custam CR$ 5.100 (Coaracy) e CR$ 13.600 (Mascarenhas). Na Treze Listras, o livro do Marechal custa apenas CR$ 3.800. Na Livraria Brandão e na Ornabi, o livro de Coaracy custaria CR$ 20 mil.
Os 17 volumes das obras completas de Érico Veríssimo custavam CR$ 15.500 na Jacuipense. Na Brandão, custam CR$ 250 mil e no Cosmo, CR$ 200 mil.
Preços não importam tanto para alguns "alfarrabistas" (o nome vem do filósofo medieval Al-Farabi). É o caso de Carlos Alberto Soares, da Librarium, que fez seu irmão deixar de ser seu sócio porque comprava mais que vendia livros.
Certa vez uma senhora queria comprar uma rara coleção de Zelina Castello Branco, da Leart, "As Décadas", de Diogo do Couto, porque a encadernação combinava com seu sofá. Zelina chutou um preço alto –e em dólares– para fazer a bibliodecoradora desistir, mas ela ainda assim insistiu.
A coleção foi "salva" pela sócia e neta de Zelina, Marilia Castello Branco Valença, que interveio e inventou que ela já estava vendida. Posteriormente foi vendida a alguém que a queria para ler.
Outro entusiasta, o português Jaime Marcelino, vendia livros na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP desde 1953, quando ela ainda estava na rua Maria Antônia, região central da cidade. Quando a FFLCH foi para a Cidade Universitária, Marcelino foi junto, saindo de lá em 1989 para cuidar de sua Livraria Fernando Pessoa, um dos sebos "cult" dos literatos.

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