São Paulo, quinta-feira, 14 de abril de 1994
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TVs lutam por audiência com diversificação

MARCELO TAS
ENVIADO ESPECIAL A LISBOA

Quinhentos anos depois de Cabral cruzar o Oceano para fazer a cabeça dos tupiniquins com espelhinhos, a vingança da ex-colônia é maligna.
Hoje, há 12 telenovelas diárias em Portugal. Das 12, oito são brasileiras, apenas uma é portuguesa, e as outras três são mexicanas ou venezuelanas. E estas últimas são dubladas em português do Brasil
Ou seja, os portugueses são obrigados a ouvir cerca de nove horas por dia de "brasileiro" (que é como os portugueses definem o jeito rude e descompromissado com que falamos a língua de Camões) na televisão. Isto sem falar nas minisséries e nos "Você Decide" da vida.
Mas a vingança não pára aí. Desde fevereiro, as telenovelas brasileiras são protagonistas de uma transformação radical na história da TV lusa.
Pela primeira vez desde 1959 (ano da implantação da televisão em Portugal), a poderosa RTP (Rádio e Televisão Portuguesa) –emissora estatal que detinha o monopólio de audiência– é obrigada a dividir o primeiro lugar no horário nobre com a recém-criada SIC– emissora privada que tem como sócio Roberto Marinho.
O detalhe: os dois programas que disputam a audiência dos telespectadores portugueses são duas novelas da Globo. A briga é entre "Mandala" e "Mulheres de Areia".
Audiência
Explica-se: a RTP sempre contou com a exclusividade das novelas globais. Com a abertura dos canais privados, a Globo continuou vendendo novelas para a RTP.
Mas iniciou uma colaboração mais estreita de co-produções e reservando os melhores títulos para o canal onde tem participação acionária, a SIC.
O gráfico do AGB, o Ibope português, do Share Nacional (percentual de cada canal dentro do total de telespectadores ligados) dá a dimensão da reviravolta.
Em fevereiro, pela primeira vez, a RPT teve média mensal inferior a 50%, em evidente reta descendente.
A reta ascendente é justamente da SIC, que tem participação acionária brasileira. Atingiu 22,4%, na média de fevereiro.
E no horário nobre, a diferença é mínima a favor da RTP: 18% contra 16%. Detalhe: a SIC está no ar há apenas um ano e meio.
A turma da SIC está eufórica com a possibilidade de passar para a pole-position.
Segundo o "director de produção" Antônio Borga, a SIC só não assumiu ainda a dianteira por uma questão prosaica. "Nas províncias as pessoas não possuem o 'mandato à distância' (controle remoto), então a TV fica sempre no mesmo 'sítio'(lugar)", explica Borga.
O "mandato à distância" pode ajudar também o segundo canal privado, a TVI, a TV da Igreja Católica.
Jogo do ganso
O líder de audiência, por exemplo, é um tal "O Jogo do Ganso". Um dos "jogos" consiste em amarrar um cidadão a uma cadeira, e colocar sensores que medem a pulsação do seu coração.
Então, aparece uma mulher tipo gostosona que fica se esfregando no candidato indefeso. Se a sua pulsação se alterar, o infeliz perde os prêmios do programa.
Programas desse gênero, baratos, leves e superficiais, chamados aqui de "programas de concurso", estão invadindo todos os canais, inclusive os do estado RTP 1 e 2.
Aliás, o campeão de audiência da RTP é um "concurso" surrealista chamado "A Filha da Cornélia". Tão boboca e banal que dá saudades do "Atayde Patreze Visita".
Para aprofundar a crise da RTP, inicia-se uma discussão nacional questionando o papel da emissora.
A RTP recebe anualmente cerca de US$ 45 milhões do Estado, mas está muito longe de ser uma TV pública. Vive uma situação completamente ambígua.
Além de embolsar as verbas do contribuinte, a RTP ainda pode veicular publicidade como uma emissora privada.
E a acusação mais grave: a emissora estatal disputa a audiência a qualquer preço com programas apelativos de qualidade "cultural" duvidosa.
Incluindo aí, as telenovelas brasileiras. Quem sabe, por vias tortas, a invasão eletrônica brasileira acabe sendo benéfica aos telespectadores lusitanos: ajudando a implodir de vez a atual RTP e a criar uma nova TV pública portuguesa.

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