São Paulo, quinta-feira, 14 de abril de 1994
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Coleção traz à tona três dos fundadores da MPB

RUY CASTRO
ESPECIAL PARA A FOLHA

A BMG-Ariola quebra o gelo na era do CD e, com dez anos de atraso, começa a soltar suas matrizes dos bons tempos em que se chamava RCA Victor, na nova coleção "Acervo Especial".
O acervo é mesmo especial, porque a RCA, em meados dos anos 30, tinha sob contrato todos os cantores, arranjadores e músicos importantes desse país. A BMG é que parecia não saber disso. Três desses cantores eram Sylvio Caldas, Carmen Miranda e o então recém-lançado e sensacional Orlando Silva.
São deles, com gravações históricas daquela época, os melhores discos de "velha guarda" que a coleção soltou até agora. O repertório limita-se aos clássicos de cada um –nenhuma novidade para os especialistas–, mas nem estes poderão reclamar: é um privilégio ouvir "Da Cor do Pecado", com Sylvio, "Na Batucada da Vida", com Carmen, ou "Lábios Que Beijei", com Orlando, com uma qualidade de som que ainda não se conseguira nas suas encarnações anteriores em LP.
O disco de Sylvio Caldas traz as surradíssimas "Chão de Estrelas" e "Rancho Fundo", claro, mas compensa essas obviedades com as lindas "Sorris da Minha Dor", de Paulo Medeiros, e "Deusa da Minha Rua", de Jorge Faraj e Newton Teixeira. Além de "Serenata", em que a letra de Orestes Barbosa contém desde achados extraordinários, como "Dorme/ Fecha esse olhar entardecente", até o que se convencionou chamar de "mau-gosto genial", como nos versos finais: "Dorme junto a teus pés o meu ciúme/ Enjeitado e faminto como um cão".
O disco de Carmen Miranda segue a mesma linha: não escapa de "Taí" e "Alô, alô", mas contém "Coração", de Sinval Silva, e a muito mais rara "Dona Balbina", de Josué de Barros, que, originalmente, foi o lado B do primeiro 78 rpm da cantora. Ao se ouvir "Dona Balbina", compreende-se por que Carmen foi uma estrondosa novidade em seu tempo –e seria até hoje.
E o disco de Orlando Silva, idem: lá estão, como sempre, "Carinhoso" e "Rosa", mas mesmo estas precisam ser ouvidas e reouvidas para se entender por quê João Gilberto saiu de Orlando, e não de Mario Reis. E tem também "Meu Consolo é Você", de Nássara e Roberto Martins, e "Juramento Falso", de J. Cascata e Leonel Azevedo, duas amostras de como Orlando era um craque para todas as estações –no Carnaval ou no resto do ano.
Todas as faixas desses discos são fundadoras do que se entende por música popular brasileira. Não há muito que se possa fazer hoje que já não esteja ali em semente –e que sementes! A BMG-Ariola é que poderia ser menos sovina com o seu acervo e produzir CDs um pouco mais condizentes com os preços que cobra por relançamentos de velhas matrizes: as meras 14 faixas de cada CD não chegam a 45 minutos de música. É como se estivéssemos ainda nos tempos do LP.
O encarte também é vergonhoso: nem uma palavra sobre as gravações e nem uma data –como se saber que elas foram feitas na década de 30 assustasse os fãs desses cantores.
Muito mais generoso é o bravo selo curitibano Revivendo, com as 21 faixas (uma hora de música) de "A Bahia te Espera", uma coletânea de sambas exaltando a Bahia, nas vozes de seus cantores originais: Francisco Alves, Carmen Miranda, Os Anjos do Inferno, Dalva de Oliveira, Dorival Caymmi e outros.
Apenas quatro composições são do baiano Caymmi. As demais são de mineiros como Ary Barroso (seis delas, entre as quais "Na Baixa do Sapateiro" e "Os Quindins de Iaiá"), cariocas como Bororó ("Curare") ou paulistas como Denis Brean (a genial "Bahia com H"). A provar que, no passado, quando ainda não se dera vez aos baianos, o Brasil já tinha descoberto a Bahia e a cantava com muito prazer e carinho.

Série: Acervo Especial
Artistas: Sylvio Caldas, Carmen Miranda e Orlando Silva
Lançamento: BMG-Ariola
Quanto: 15 URVs (preço médio)
Título: A Bahia te Espera
Artistas: Francisco Alves, C. Miranda, D. Caymmi, outros
Lançamento: Revivendo
Quanto: 15 URVs (preço médio)

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