São Paulo, quinta-feira, 14 de abril de 1994
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Cinemateca do Rio homenageia Renoir

SÉRGIO AUGUSTO
DA SUCURSAL DO RIO

A Cinemateca do Museu de Arte Moderna do Rio anda meio apressada este ano. Há dias festejou o centenário de Josef von Sternberg com dois meses de antecedência. Hoje inicia uma mostra em homenagem ao centenário de Jean Renoir, que nasceu a 15 de setembro de 1894, em Paris, e morreu em 1979, na Califórnia.
Não chega a ser uma retrospectiva, pois nela faltam alguns filmes da fase francesa e todos os que ele rodou nos EUA, na Índia ("O Rio Sagrado") e na Itália ("Le Carrosse d'Or").
Mas o básico consta da programação, inclusive as duas obras ("A Regra do Jogo" e "A Grande Ilusão") que o colocaram no panteão dos maiores cineastas de todos os tempos.
Qual a melhor? Os renoirianos mais puristas apontam a primeira e de certo modo esnobam a segunda, preterindo-a por "Le Crime de Monsieur Lange", "Boudu Sauvé des Eaux" (refilmado por Paul Mazurski em "Um Vagabundo na Alta Roda") e "Le Carrosse d'Or".
Já os que não o consideram o melhor autor do cinema clássico francês, reservando tal honraria para René Clair, optam sempre por "A Grande Ilusão", não raro reservando o segundo lugar para "Une Partie de Campagne".
Ao menos em vídeo, "A Grande Ilusão" envelheceu um bocado. "A Regra do Jogo", ao contrário, conservou seu viço e maior influência exerceu sobre outros cineastas.
Influências
Ficaram em débito com Renoir o Ingmar Bergman de "Sorrisos de uma Noite de Amor", o Jacques Doniol-Valcroze de "Amor Livre" e até mesmo o Kenneth Branagh mais recente.
Boa parte do moderno cinema francês, em especial François Truffaut, nasceu de sua costela, não sendo exagero apontar "Le Crime de Monsieur Lange" como um filme precursor da Nouvelle Vague.
"Toni", por seu turno, antecipou de sete anos o neo-realismo italiano.
Muito se escreveu sobre sua sensibilidade humanista, sua ternura franciscana, seu amor pela natureza e seu fascínio pelo ilusionismo teatral.
O próprio cineasta esmerou-se em propagar chavões a seu respeito. "A única coisa que posso dar a esse mundo ilógico e cruel é meu amor", declarou ao crítico francês Bernard Chardère, que tinha o "calor humano" de Renoir na conta de uma virtude estética.
Não foi o primeiro nem o último a dizer isto, talvez o supremo clichê a respeito do cinema renoiriano, porta aberta a uma variedade de formas e gêneros: farsa, sátira, épico, drama social, drama policial, teatro barroco, naturalismo, realismo etc.
Seus filmes, ao mesmo tempo graves e alegres, pesados e graciosos, frágeis e compactos, rigorosos e soltos, quase sempre terminam em aberto, inconclusos.
Retomando uma tese de André Bazin sobre os "aspectos democráticos" da profundidade de foco, Penelope Gilliat qualificou-os de "libertários" por excelência, na medida em que neles tudo se move ao mesmo tempo e a câmera se exime de comandar o olho do espectador.
Quando imóvel a camera, a profundidade de foco "nivela" todos os personagens e objetos enquadrados. Um cinema sem privilégios, onde até os vilões são tratados com deferência.
Além de raros, os vilões de Renoir (o Batala de "O Crime de Monsieur Lange", Stroheim em "A Grande Ilusão", Frances Lederer em "Segredos de Alcova") se destacam menos por suas perversidades do que por sua vitalidade e seu charme natural.
Como explicar que num mundo tão sem maldades, como o dos filmes de Renoir, as coisas terminem de maneira tão triste? Ninguém até hoje conseguiu explicar esse mistério.

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