São Paulo, quinta-feira, 14 de abril de 1994
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Educação laica

A intolerância, um dos piores flagelos da humanidade, manifesta-se de diversas formas. As mais frequentes são preconceitos em relação a cor da pele, idioma e, principalmente, religião. Nesse sentido, uma das maiores conquistas das democracias contemporâneas –que ocorre em maior ou menor grau em grande parte do Ocidente– foi a separação entre Estado e igreja.
Inexistindo uma religião oficial, admitem-se todas as demais, o que contribui em muito para diminuir o nível geral de intolerância. Além dos indivíduos, também ganharam com a separação o próprio Estado e as religiões, oficiais ou não, que se tornaram mais independentes ou finalmente conheceram a liberdade.
No Brasil, muito embora a Constituição sacramente essa separação (arts. 19, I, e 5º, VI), permanecem entre Estado e igreja certas relações que deveriam ser eliminadas. Uma delas é a que estabelece o ensino religioso facultativo nas escolas públicas (art. 210, 1º). Como esta Folha revelou ontem, o Estado de São Paulo já prepara acordo com a CNBB para ministrar aulas optativas de religião católica na rede oficial. Outros Estados seguem o mesmo caminho. Nada há de errado em que cada um conheça os cânones da religião que escolheu, mas a escola pública não é o espaço mais indicado para esses ensinamentos.
Pelo menos em curto prazo, deverá haver apenas cursos de catolicismo. Ainda que a maioria dos brasileiros se afirmem católicos, muitos ateus ou fiéis de outros cultos poderiam ser alvo de discriminação por não se matricularem no curso. E mais, qualquer um deseje conhecer melhor sua religião pode perfeitamente fazê-lo procurando o local mais adequado, a sua igreja.
Há ainda problemas de ordem prática. Um aluno qualquer poderia, com toda justiça, reivindicar aulas sobre por exemplo o zoroastrismo, alegando ser esta sua religião. É óbvio que o Estado tem obrigações muito mais urgentes no paupérrimo campo da educação.
Enfim, seria desejável que a revisão constitucional consagrasse de vez a separação entre Estado e igreja. Num mundo já extremamente atormentado por conflitos baseados na diferença, não há razão para que o Estado se arrisque a alimentar ainda mais a chama da intolerância.

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