São Paulo, quinta-feira, 14 de abril de 1994
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Enfim, um social-democrata

VAMIREH CHACON

Até que enfim um social-democrata, Fernando Henrique Cardoso, candidato à Presidência da República.
É que velhos políticos há muito gostam de apor o nome "social" aos seus partidos mesmo os mais conservadores, dizem que costuma dar mais voto, já na Constituinte de 1934 houve um Partido Social-Democrata, vindo à intervenção militar de 1937 que a todos dissolveu, mais um na redemocratização de 1945 extinto por sua vez pelo Ato Institucional nº 2 de 1964 que tornou a acabar com todos. Pouco importam os programas, em geral vagos, ecléticos, exatamente com tais propósitos.
Continua a dúvida se os partidos brasileiros devem ser ideológicos à maneira européia, como querem muitos intelectuais, ou pragmáticos ao modo dos Estados Unidos, como parece preferir a maioria dos eleitores.
O PSDB, ao sair do PMDB, optou pelo caminho mais ideológico, sem deixar de ser pragmático. Para desempenho melhor que o Partido Socialista Brasileiro de outrora, partido do apóstolo João Mangabeira, ou que o atual.
Fernando Henrique Cardoso tem "pedigree" de mestre universitário ainda com mais saber de experiência feito como exilado, ministro e senador, pesquisas realizadas e livros publicados ao lado de vivências administrativas.
Principalmente tem independência, conhece de perto o governo de outros social-democratas, François Mitterrand, Felipe González e Mário Soares, descendentes de Bernstein e Kautsky, não de Lênin, que a estes se opunha, rupturas desde fins do século passado e começos do atual, mas como as idéias continuam chegando aqui de caravela, pouca gente se lembra.
Recente caso paradigmático é o de Willy Brandt, quando a União Soviética bloqueou Berlim Ocidental, seu prefeito Brandt recorreu, mas aos Estados Unidos, a Kennedy em pessoa, que foi solidarizar-se com ele publicamente em grandes desfiles pelas ruas e praças berlinenses.
Em Portugal, Mário Soares não ficou atrás, juntou-se à mobilização popular para derrubar do poder o coronel Vasco Gonçalves, que estatizara quase toda economia lusitana e ainda por cima oferecera uma base naval em Figueira da Foz aos soviéticos.
Claro que o PSDB concentra, não esgota, os social-democratas brasileiros. Há outros inclusive em alas internas do próprio PT. Resta apenas saber quem predominará nele.
O combate à inflação faz parte de uma reciclagem até mundial do Estado inchado. Ninguém derrubou por fora o Muro de Berlim, muito menos a União Soviética. Caíram por si, por final inviabilidade econômica. Os próprios Estados Unidos estão ameaçados não de igual e sim de idêntico mal, que também tratem de reciclar seu déficit estatal e de elevar sua produtividade industrial.
No Brasil depende dos empresários, dos sindicatos e do comportamento dos consumidores o êxito do plano contra a inflação e em favor da retomada do desenvolvimento daí em diante mais justo, mais distributivo, mais ético.
A aritmética é a maior inimiga da ilusão, ninguém consegue gastar mais do que ganha ou consumir mais que produz. Todas as verdades são paradoxos ou banalidades. Numa síntese de ambas, o conselheiro Acácio de Eça de Queirós costumava alisar a cabeça calva como uma bola de bilhar para concluir sentencioso: "As consequências vêm sempre depois, nunca antes".
Com prudência e firmeza, o Plano FHC foi finalmente a primeira tomada de posição global diante do problema no Brasil, base para uma realista social-democracia que já tarda a chegar entre nós.

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