São Paulo, quinta-feira, 14 de abril de 1994
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Avanços na área de livre comércio sul-americana

CELSO AMORIM

Muito se tem escrito sobre as duas tendências principais nas relações econômicas internacionais da atualidade: regionalismo e globalização. Não obstante a aparente contradição entre elas, as duas coexistem, reforçando-se mutuamente.
A política externa brasileira tem procurado privilegiar ações que se harmonizam com ambas as tendências. Por um lado, atenta à globalização econômica, defende nos foros internacionais o reforço do sistema multilateral de comércio, em respeito à condição de país com interesses globais. Por outro, avança no processo da integração sub-regional, do qual o Mercosul tem sido, até aqui, uma das experiências de maior êxito.
Quero aqui me referir a uma importante iniciativa do presidente Itamar Franco no que se refere à integração regional: a Área de Livre Comércio Sul-Americana (ALCSA).
Como demonstram as estatísticas, a América Latina tem despontado como a região do globo em que nosso potencial exportador se revela mais promissor: a região responde, hoje, por aproximadamente 25% de nossas vendas externas. Mais de 80% deste total se compõem de produtos manufaturados.
As exportações brasileiras para os países sul-americanos, excluindo-se o Mercosul, correspondem a 8% do comércio exterior brasileiro. Essa cifra, que já é expressiva em si mesma, ganha maior significado quando lembramos que o comércio com os países do Mercosul antes da vigência do Tratado de Assunção representava cerca de 4,5% do nosso comércio total e ascende hoje a 13%.
Sem cair na tentação de raciocínios mecânicos, há um indiscutível potencial a explorar nas nossas relações com os outros países da América do Sul, aos quais a proposta da ALCSA se dirige primordialmente.
Por outro lado, não podemos desconhecer que, por via da liberalização e integração regionais, os países sul-americanos se habilitarão a fazer frente, de forma mais efetiva, à vigorosa e crescente competição de outras economias como as da bacia do Pacífico.
A formação de uma área de livre comércio que abarque todo o subcontinente sul-americano constitui uma tentativa de organização e racionalização econômica de algo que já está acontecendo na prática: o dinamismo crescente do comércio regional.
A liberalização acelerada desse comércio, ao promover a convergência entre processos de integração, como é o caso do Mercosul e do Grupo Andino, e com a participação também do Chile, favorecerá diretamente o ritmo de expansão dessas trocas. Criará, ainda, condições positivas para uma melhor inserção da região na economia internacional.
A iniciativa prevê programas de desgravação tarifária automática e eliminação de restrições não-tarifárias. Com vistas a acelerar o processo negociador, tais programas estarão limitados, numa primeira fase, ao comércio de bens. O projeto deverá estruturar-se através de uma rede de acordos de livre comércio entre países sul-americanos membros da Aladi, em conformidade com as regras do Gatt e do Tratado de Montevidéu de 1980 (que criou a Aladi).
Essa abordagem flexível e pragmática visa tornar viável o início da efetiva liberalização a partir de 1º de janeiro de 1995, a qual deverá estar concluída no prazo máximo de dez anos.
Os mencionados acordos para a constituição da área de livre comércio deverão abranger "parcela substancial do comércio" (não inferior a 80% do valor de comércio entre os parceiros engajados e/ou da pauta tarifária). Tal disposição permite a inclusão de produtos mais sensíveis em listas de exceções e assegura a nossos parceiros do Mercosul que esse esquema não afetará as preferências de que gozam no mercado brasileiro e vice-versa.
O realismo dessas posições constitui uma garantia de que a iniciativa não terá o destino de outras propostas de cunho retórico. Acrescente-se que, por ter subjacente uma filosofia liberalizante, a iniciativa do presidente Itamar Franco não é incompatível com (pelo contrário, facilita) outras iniciativas no âmbito hemisférico.
A reação dos parceiros do Mercosul tem sido de apoio. Durante a reunião de Colônia, os presidentes apoiaram a convocação de uma conferência, a realizar-se ainda este ano, para "definir as modalidades e instrumentos necessários para a conformação de dita área". Da mesma forma, por ocasião da reunião de ministros das Relações Exteriores e de Economia, realizada em Buenos Aires, em 10 de março passado, pudemos, o senador Fernando Henrique Cardoso e eu, esclarecer algumas dúvidas remanescentes sobre o sentido e o alcance da proposta.
Assim é que, no comunicado emanado do encontro, "Os chanceleres e os ministros da Economia do Mercosul expressaram seu apoio à plena liberalização do comércio entre todos os países sul-americanos como um objetivo em si mesmo e como forma de facilitar a inserção da região na economia hemisférica e mundial".
O aprofundamento do processo de integração econômica, política e social da América do Sul é o caminho mais seguro para inserir nossa região nos fluxos internacionais de comércio, capitais e tecnologia.
Num mundo em transformação, iniciativas pragmáticas, como a da Área de Livre Comércio Sul-Americana –que não desconhece a nossa prioridade ao Mercosul, mas a complementa–, são essenciais para que o Brasil possa exercer um papel indutor do desenvolvimento, da consolidação da democracia e da paz regionais.

CELSO LUIZ NUNES AMORIM, 51, é ministro das Relações Exteriores do Brasil. Foi embaixador em Genebra (1991-92).

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