São Paulo, sexta-feira, 15 de abril de 1994
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Médico diz que programa afrontou ética

ARMANDO ANTENORE
DA REPORTAGEM LOCAL

O clínico geral Douglas Ferrari Carneiro, 33, registrou ontem de manhã uma representação contra a Rede Globo no Conselho Regional de Medicina do Estado de são Paulo (Cremesp).
Funcionário do Hospital das Nações, em Santo André (SP), Ferrari considera que a emissora incentivou ‘‘o crime e o desrespeito à ética médica’’ durante o programa ‘‘Você Decide’’ do último dia 6.
Na representação, o clínico pede que o Cremesp ‘‘tome providências’’ que julga necessárias. O Conselho protocolou o documento com o número 13.188.
O ‘‘Você Decide’’ em questão discutia o transplante de órgãos. A história batizada de ‘‘A Última Chance’’, tinha como protagonista uma jovem de classe média que se descobre vítima de complicações renais.
Filha do cirurgião Humberto, a garota precisa enfrentar inúmeras hemodiálises. O processo, lento, incômodo e caríssimo, livra o sangue de impurezas que os rins já não conseguem eliminar.
As hemodiálises, porém, não se mostram eficazes e a paciente entra em coma. Somente um transplante renal poderá salvá-la.
Enquanto a garota definha, o médico Rogério, amigo de Humberto, opera um bandido, baleado pela polícia durante um assalto. A cirurgia salva a vida do rapaz.
Depois da operação, por meio de exames, Rogério percebe que o ladrão tem todas as condições para doar um dos rins à garota.
O médico procura Humberto e propõe tirar o órgão do bandido. O paciente, sugere Rogério, não precisaria saber o motivo da extraçào. Os cirurgiões lhe comunicam apenas que teria de passar por nova operação, porque a anterior não surtira o efeito desejado.
Na tentativa de convencer Humberto, Rogério argumenta que o bandido pode viver perfeitamente com um único rim. E que, doando outro para a garota, iria fazer uma boa ação, ainda que involuntária - talvez a única de sua vida.
‘‘Humberto deve aceitar a proposta de Rogério?’’, perguntou o apresentador Raul Cortez para o público. À pergunta, acrescentou a observação de que, naquelas condições, a retirada do órgào seria ilegal. Venceu o ‘‘sim’’, com 25.357 votos. O ‘‘não’’ teve 24.601 votos.
Vingança social
O médico Douglas Ferrari acredita que o ‘‘sim’’ saiu vitorioso por indução da Globo. ‘‘A emissora criou uma situação maniqueísta. Colocou, de um lado, uma garota bonitinha, com futuro promissor. De outro, um marginal. Claro que o público só poderia optar pela heroína’’, diz.
Ferrari acha que o julgamento dos telespectadores levou em conta a lógica da ‘‘vingança social’’ - e não a ética médica. ‘‘Resultado: o programa denegriu nossa categoria profissional. Transformou médicos em criminosos.’’
O pediatra Clovis Francisco Constantino, 45, diretor do Cremesp, disse à Folha que a cúpula do Conselho ainda não tomara conhecimento da representação de Ferrari. ‘‘Só depois de analisá-la, resolveremos o que fazer. É possível que o Cremesp peça uma retratação à Globo.’’ Legalmente, a emissora não tem obrigação de acatar o pedido.
Constantino acrescentou que, um dia depois de o ‘‘Você Decide’’ exibir ‘‘A Última Chance’’, o Cremesp recebeu 20 telefonemas de médicos contra o programa.
Na ocasião, o Conselho enviou cartas para jornais e rádios de São Paulo afirmado que o ‘‘ ‘Você Decide’ afrontou a ética e induziu ao crime’’.
Outro lado
Até o fechamento da ‘‘Ilustrada’’, às 15h,a Globo não se pronunciou sobre o assunto.

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