São Paulo, sábado, 16 de abril de 1994
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

A mídia no tribunal

CLÓVIS ROSSI

SÃO PAULO – O seminário "Imprensa em Questão", encerrado anteontem na Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), virou uma metralhadora giratória contra o jornalismo.
Artigo de José Carlos Dias, na página 1-3 da Folha de ontem, também aponta o dedo contra a mídia, a propósito especificamente da lista do jogo do bicho.
No seminário da Unicamp, apareceram acusações de "denuncismo" excessivo, de arrogância e de facciosismo editorial. Esses defeitos de fato existem, mas, no caso específico das listas do bicho, convém evitar o simplismo.
É verdade que o jornalismo está violando um princípio jurídico fundamental, qual seja o de que toda pessoa é inocente até prova em contrário, um dos argumentos, aliás, utilizado por José Carlos Dias.
Mas, antes de fuzilar a mídia, conviria examinar mais a fundo a questão. No caso do bicho, nenhum meio de comunicação inventou nada. Todas as informações nasceram de uma fonte teoricamente insuspeita e qualificada, qual seja a Procuradoria de Justiça do Rio de Janeiro, a única de posse de todos os dados disponíveis.
Portanto, se a mídia arrastou para a lama o nome de algum eventual inocente, a culpa primeira é da Procuradoria. Esse ponto precisa ficar muito claro para evitar análises simplórias demais.
Ainda assim, foi a mídia que amplificou as acusações, ao divulgá-las sem uma checagem mais aprofundada. Culpa da mídia, então? À primeira vista, sim, mas é aí que se chega ao verdadeiro nó da questão.
Por partes: a lista de nomes mais completa foi ao ar durante o Jornal Nacional, da Rede Globo, por volta de 20h. De que adiantaria os jornais do dia seguinte omitirem os nomes, se eles já haviam sido arrastados à lama por um noticiário que atinge cerca de 60 milhões de pessoas, certamente mais do que a tiragem conjunta de todos os jornais brasileiros?
A Rede Globo, por sua vez, só poderia omitir os nomes se tivesse a certeza de que os demais telejornais do dia (e os jornais do dia seguinte) fariam a mesma coisa. Garantia impossível de se obter em tempo hábil.
Um círculo de ferro irrompível? É o que fica para discutir amanhã, que o espaço acabou.

Texto Anterior: Risco real
Próximo Texto: Indecisão perigosa
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.