São Paulo, domingo, 17 de abril de 1994
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Não brinquem com o Orçamento

ANTONIO KANDIR

Há sinais de que a perna fiscal do programa de estabilização pode vir a fraquejar. Os sinais tornam-se ainda mais preocupantes em face do provável sepultamento da revisão constitucional.
Se a revisão tivesse prosperado, estabelecendo as condições de ampla e profunda reforma do Estado, eventuais déficits fiscais que viessem a surgir no correr de 1994 poderiam ser mais facilmente financiados, pois haveria expectativa favorável quanto à possibilidade de estabelecer-se equilíbrio sustentado das contas públicas no futuro previsível.
Com a revisão praticamente enterrada, mantém-se o Estado na condição de empresa sem crédito na praça. Torna-se assim mais difícil financiar de modo não-inflacionário eventuais déficits fiscais e cresce a necessidade de assegurar-se um forte ajuste fiscal em 1994. O desafio não é pequeno.
Divulgados na semana passada, os resultados do Tesouro relativos ao primeiro trimestre (um déficit de caixa de CR$ 186 bilhões, apesar do aumento de mais de 30% na arrecadação) não autorizam tranquilidade. Não indicam, contudo, a ocorrência de "gastança" generalizada, como querem fazer crer algumas opiniões mais apressadas e ideológicas.
Indicam, isto sim, pressões estruturais que o financiamento da Previdência e da saúde exercem sobre as contas do Tesouro. Nesse caso, o provável malogro da revisão, eliminando a possibilidade de resolver, em definitivo, os desequilíbrios financeiros da Seguridade Social, e a demora em dar consequência prática ao Fundo Social de Emergência, retardando solução provisória e parcial para o problema, cobram seus custos à vista.
Os resultados do Tesouro indicam ainda os efeitos da política de juros altos, que elevaram o custo do serviço da dívida interna em 120%, em comparação ao primeiro trimestre de 1993. A questão é que, neste caso, é mais fácil enunciar o problema do que resolvê-lo.
Para quem prefere a ética da responsabilidade à retórica da indignação, cabe alertar que não se deve esperar grande alívio na conta de juros internos, enquanto o processo de estabilização exigir uma política monetária apertada.
Tentativas de afrouxar a política monetária, na travessia para o real e nos meses seguintes à sua introdução, serviriam apenas para destruir o processo de estabilização, cujo êxito é condição necessária para restabelecer o crédito público e, assim, permitir queda sustentada da taxa de juros.
Em face das restrições constitucionais e das exigências da política de estabilização, mais antipático, porém mais realista, é advertir para a necessidade de as autoridades econômicas resistirem com firmeza às variadas pressões por maiores gastos. Resistência agora, no momento de reelaboração do Orçamento, e depois, no curso de sua apreciação pelo Congresso e de sua execução, pelo Executivo.
Firmeza e coragem para resistir às pressões por gastos não significam, entretanto, perda da capacidade de discernimento. Há, por assim dizer, pressões e pressões. Algumas são não só legítimas, mas também fundamentadas no interesse público, como as que surgem do Ministério da Saúde.
Outras, porém, além de provocar consequências desastrosas, se atendidas, têm escassa relação com o interesse público.
São exemplos notórios as pressões que vêm dos Ministérios do Bem-Estar Social e da Integração Regional, conhecidos focos de manejo clientelista de verbas públicas, que há muito já deveriam ter sido extinguidos.
Nesse caso, como em outros em que predominam interesses corporativos e eleitoreiros, impõe-se resistência a mais intransigente.
Garantir o equilíbrio orçamentário em 1994 é uma das muitas batalhas da estabilização, batalha ainda mais árdua na ausência da revisão constitucional. Vencê-la não assegura necessariamente a vitória definitiva sobre a inflação. Perdê-la, no entanto, será fatal para o sucesso do programa de estabilização.

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