São Paulo, domingo, 17 de abril de 1994
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FAZER A COISA CERTA

EDUARDO BELO

Nossa empresa tem sempre como missão ser uma exímia prestadora de serviços empresariais. Essa clareza de missão foi uma das coisas que evitou a dispersão, como tentativas erradas de fazer coisas que nós não sabíamos.
APRENDIZADO
O Brasil que eu encontrei como fundador da empresa, há 18 anos, não vivia num clima de turbulência, de mudanças tão constantes e radicais, como vive hoje. Se tivéssemos chegado mais tarde, teríamos mais dificuldades em enfrentar essas mudanças radicais.
PREPARO FÍSICO
Para mim, a chave da perenidade de uma empresa num regime de tais mudanças contínuas, radicais, é flexibilidade. Agilidade de reação permanente. Uma empresa tem que estar sempre com o nível de adrenalina e de preparo físico e mental que lhe permita reagir imediatamente.
PRINCÍPIOS
Os princípios de uma organização não são flexíveis. É uma coisa rígida. Vou dar um exemplo: nós já passamos por cinco ou seis planos econômicos. Essa empresa nunca teve um plano de demissão em massa. Aquilo que as empresas chamam de enxugar as suas estruturas, nesta empresa o enxugamento é de ranços, de acomodação.
CRISE VERSUS EMPREGO
Nós precisamos dos homens motivados e com segurança de emprego, mais do que nunca, quando a gente precisa que eles defendam os interesses da empresa. É na crise que a gente precisa das pessoas.
VOCAÇÃO
Nós temos uma grande quantidade de concorrentes, nem sempre com qualidade, porque essas empresas não são do ramo. Quando você começa a fazer as coisas mais por oportunidade, mas que não é o fundo de sua vocação, você cria essas coisas. Não vamos diversificar fora da área de serviços. Queremos ser uma grande, forte e líder empresa de serviços.
LIDERANÇA
O fato de sermos uma empresa líder em prestação de serviços empresariais, provavelmente do mundo, é motivo de muito orgulho e também de muita responsabilidade. Você não pode admitir não ser líder. O cemitério está cheio de empresas que já foram líderes em algum momento. Não são mais porque em algum momento se acomodaram. Pensaram que a liderança era um fato. Ela é uma circunstância, que você tem que manter viva.
PERDAS
Nós chegamos a perder dinheiro durante algum tempo, depois do Plano Cruzado. Depois tivemos também, pontualmente, alguma queda. Mas nunca a empresa teve problemas. Uma das forças dessa organização é que é um grupo diversificado. Quando a conjuntura econômica é adversa à rentabilidade de alguma atividade, outras se movem melhor.
DEPENDÊNCIA
A Ticket do Brasil é a maior empresa do mundo em tíquetes. O nosso grupo tem hoje uma forte dependência dos resultados oriundos desse tipo de atividade. São atividades de um volume tal que só podia ter uma dependência forte. Também porque essa atividade, em regimes inflacionários, têm uma contribuição em resultados financeiros que é real.
"FLOAT"
Os tíquetes não foram criados porque têm essa característica de "float", até porque existem em todos os países do mundo. A diferença é que no Brasil, com esses níveis de inflação indecentes, você tem uma taxa de remuneração muito mais elevada. Quanto mais a inflação vira indecência, monstruosidade, 40%, 50% ao mês, o sistema de tíquetes passa a ter uma série de distorções. Os clientes começam a atrasar pagamento.
INFLAÇÃO
Com a convivência que o sistema de tíquetes teve com esse nível absurdo de inflação que se instalou no Brasil nesses 18 anos, nosso produto principal se adaptou. Em nenhum lugar nenhum do mundo ele convive com essa inflação.
GANHO FINANCEIRO
Não é uma atividade que você cria ou desenvolve num país para buscar o ganho financeiro, que é gerador de distorções. Quando você tem taxas altas, começa a ter uma série de pressões dos agentes econômicos. Clientes de um lado, restaurantes de outro, que, de alguma maneira, perturbam o funcionamento do sistema e o desviam de sua finalidade. É quase ilusão pensar que esse tipo de atividade é imune a um câncer econômico.
RECEITA VERSUS CUSTOS
Nossos concorrentes, como nós, tinham um tipo de remuneração direta, de comissão de serviços, insuficiente para cobrir os custos. Estava claro que o sistema funcionava com superávit financeiro que cobria o restante, gerando lucro.
REAL
O que vai acontecer no dia em que se instalar o real, com uma situação totalmente diferente em termos de rentabilidade financeira, onde as empresas só poderão sobreviver se conseguirem pagar seus custos com receitas de prestação de serviço diretas? Respondendo a uma necessidade de mercado, lançamos o tíquete em moeda forte. O tíquete estava perdendo valor. Tíquete em URV ou real vai fortalecer o sistema.
CONCORRÊNCIA
Meus concorrentes não sabem que prejuízo vão ter no futuro. Eles não estão nem prepados para isso. Nem entendem o que é administrar uma empresa dessa natureza num regime de estabidade econômica.
EFICIÊNCIA
Vamos ter que negociar com nossos clientes e estabelecimentos conveniados um novo tipo de contrato que cubra melhor nossas despesas. Só que são despesas menores. Eu também vou ter que ser mais eficiente.
QUEDA NO LUCRO
A queda na margem de lucro na área de tíquetes deve se situar, até o final do ano, entre metade e dois terços. Eu preciso tomar iniciativas para dar ao mercado o que ele quer. Eu quero entrar nessa economia estável, onde você tem margens, pequenas, é verdade, mas consistentes e seguras.
SOBREVIVENTES
Você tem no mercado algumas empresas de qualidade. Elas se prepararam, espero, para conviver com situações diferentes. Terão mais condições de sobreviver. Vão ganhar muito menos, sem dúvida.
SELEÇÃO NATURAL
Não existe nenhum país do mundo que tenha tíquetes em que haja mais de quatro empresas competindo no mercado. No Brasil você tem hoje 89. Muitas delas entraram não-vocacionadas. Não investiram pesado. Vai ocorrer uma depuração muito grande.
PREJUÍZO
Eu acho que a gente vai ter uns três meses, que vão se seguir à implantação do real, e qualquer que tenha sido o esforço da primeira leva de negociação que nós vamos fazer, é muito possível que a gente venha a ter algum prejuízo.
SOLIDEZ
Nós temos uma visão a longo prazo para os próximos seis anos. Se alguém me perguntar "você troca um ponto percentual do seu lucro contra uma melhoria da imagem do seu negócio ou do seu produto?", eu troco. O 1% é circunstancial.
CRESCIMENTO
Nosso grupo de atividades multiplicou por cinco nos últimos sete anos seu volume de consumidores. Eu só pretendo nos próximos seis anos dobrar de tamanho. Nossa ambição é passar de 4 milhões de consumidores para cerca de 8 milhões. Esta organização tem que se preparar para fazer o que tem que ser feito, a despeito das vicissitudes do dia-a-dia. É um fenômeno desprezível, na história de uma empresa dois ou três meses de dificuldades no meio do ano de 1994.

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