São Paulo, domingo, 17 de abril de 1994
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Despertar da China preocupa o Ocidente

JOÃO BATISTA NATALIDA REPORTAGEM LOCAL

A "economia socialista de mercado" levou a China a crescer 27% nos últimos dois anos. Mas esse superaquecimento tem algumas contrapartidas.
1 - O país de Deng Xiaoping deverá em breve importar petróleo. Ou seja, pressionará o preço do barril no mercado internacional.
2 - Se moderar para 8,5% o crescimento de seu PIB anual, estará em 2025 poluindo a atmosfera com três vezes mais dióxido de carbono do que os EUA hoje.
3 - Investiu em defesa, nos últimos cinco anos, US$ 90 bilhões, a preços ocidentais. Seus interesses se expandem para o Mar do Sul da China e para o Índico.
São questões levantadas por Nicholas Kristof, ex-correspondente do jornal "The New York Times" em Pequim, em artigo publicado no último número da revista "Política Externa" (Editora Vozes).
A moral da história é a de que o Ocidente não está apenas diante da emergência de um poderoso concorrente comercial. Há incômodos de outros tipos com os quais precisará conviver.
A questão ambiental é a primeira delas. As chaminés chinesas emitiam há três anos 11 trilhões de metros cúbicos de gases residuais. Provocam chuvas ácidas sobre florestas da Sibéria e das Coréias.
A inexistência de controle político interno sobre essas emissões já faz hoje da China a terceira responsável mundial pelo efeito estufa, atrás dos EUA e da ex-URSS.
Em dez anos, a poluição chinesa estará na dianteira mundial.
A expansão militar e a questão energética estão estreitamente associadas. Pequim diz ter soberania sobre lençóis marítimos de óleo também reivindicados por Vietnã, Malásia, Brunei e Filipinas.
A compra ou construção de um porta-aviões, fragatas da classe Jiangwei e destróieres aperfeiçoados da classe Luda são o desdobramento dessa ambição naval.
Kristof diz que Pequim assinou com uma empresa petrolífera americana contrato de risco para prospecção numa área em litígio com o Vietnã e garantiu cobertura militar em caso de incidentes.
(Outra área também reivindicada pelos vietnamitas, segundo o último número da revista "Far Eastern Economic Review", está sendo explorada diretamente pela China, com equipamento adquirido no Canadá.)
Um chinês consome hoje o equivalente a 603 kg de óleo/ano. Se passar a consumir tanto quanto um sul-coreano, precisará de tanto ou mais petróleo que os EUA, que são o maior consumidor mundial.
Dores de cabeça
A geopolítica, colocada nesses termos, reúne ingredientes para que a "economia socialista de mercado" desemboque em tensões e conflitos regionais.
Com isso, o comunismo -por enquanto a ideologia oficial- teria no nacionalismo um substituto à altura para permear, após a morte do octogenário Deng Xiaoping, as diferenças regionais desse gigante de 1,2 bilhão de habitantes.
A conclusão de Nicholas Kristof é de que a China promete no futuro dores-de-cabeça tão grandes quanto as ambições que ela hoje desperta junto aos investidores e homens de negócio ocidentais.
Paradoxalmente, os EUA -que deram a Pequim o estatuto de parceiro comercial privilegiado- não dão prioridade a essas questões.
No mês passado, o secretário de Estado Warren Christopher visitou a China e insistiu mais no problema imediato dos direitos humanos.
O governo dos EUA pressionou inutilmente para que fossem libertados 235 prisioneiros políticos locais e mais 106 tibetanos.
O Tibete, anexado à China em 1959, reivindica a independência. Ainda recentemente, 14 freiras tibetanas foram presas por entoarem "cantos contra-revolucionários".
Ameaçar Pequim de retirar seu estatuto de parceiro comercial preferencial é uma perspectiva desastrosa para empresas norte-americanas. As importações chinesas garantem 75 mil empregos nos EUA.
Os europeus, por sua vez, aceitariam de bom grado substituir os americanos num mercado que em 93 importou US$ 36 bilhões.
Um alto funcionário chinês, citado pela "Far Eastern Economic Review", sente-se à vontade ao dizer que seu país "nos últimos 5.000 anos se habituou a rejeitar pressões". O mesmo vale para a anedótica rejeição, em 93, da proposta de Bill Clinton para negociar um acordo que inviabilizasse armas ofensivas de longo alcance.
A história foi em parte explicada pela edição asiática do "The Wall Street Journal". Após o colapso da URSS, o Pentágono mapeou os técnicos da Rússia e da Ucrânia capazes de construir mísseis intercontinentais. Mas demorou muito. Eles já estavam trabalhando em Pequim.
Os chineses têm a bomba atômica desde os anos 60. Se tiverem também os mísseis, poderão dissuasivamente mirar em direção ao território norte-americano.

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