São Paulo, domingo, 17 de abril de 1994
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Pequim teme instabilidade social e militar

RENATO MARTINS

Pequim teme instabilidade social e militar

Os "senhores da guerra" podem estar de volta na China, ressuscitando os piores pesadelos da liderança comunista em Pequim.
Chefes militares locais com interesses próprios, fora do controle do poder central, foram fatores cruciais na desagregação da dinastia Qing (1644-1911) e no caos que conduziu à vitória da revolução comunista de 1949.
Hoje, o principal desafio para Pequim não são os dissidentes pró-democracia, poucos e desorganizados, mas a crescente resistência das Províncias –e dos comandantes militares locais– a determinações políticas e econômicas do poder central.
A "Far Eastern Economic Review" estima que as Forças Armadas controlam 20 mil empresas (entre 140 mil estatais), com uma receita comparável ao orçamento militar (US$ 35 bilhões em 1993).
Formadas inicialmente para produzir armas, essas empresas agora fabricam de bicicletas a geladeiras e controlam fazendas, hotéis, bancos e até casas noturnas. As maiores, como a Poly Group Co. e a China Xinxing Co., têm dezenas de subsidiárias e empregam centenas de milhares de trabalhadores civis e militares.
A influência dos dirigentes dessas empresas é frequentemente um obstáculo ao enquadramento delas à política econômica de Pequim. O grupo Poly é presidido pelo general He Ping, genro de Deng Xiaoping e chefe do Departamento de Equipamentos do Estado-Maior. Entre os diretores está Wang Xiochao, genro do ex-presidente da República Yang Shangkun.
Com uma inflação na casa dos 35% ao ano nas cidades (talvez mais ainda no campo), Pequim tenta retomar o controle de uma economia superaquecida com as reformas cambial, bancária e fiscal, anunciadas em janeiro, e a lei que a partir de julho permitirá a falência de estatais ineficientes, entre elas as militares.
"Em 1993 tivemos muito trabalho para convencer governos provinciais. Não é possível tomar dinheiro de outra pessoa sem que ela resista", disse à "Businessweek" Zhu Rongji, vice-premiê e presidente do Banco Central.
Pequim quer passar a receber entre 58% e 60% dos impostos recolhidos nas Províncias. Estas, através de subterfúgios, não têm repassado mais do que 38%. Segundo a "Newsweek", 90% dos impostos devidos por pessoas físicas e 50% dos das estatais simplesmente não são recolhidos.
Não se sabe até que ponto Pequim terá condições políticas de impor controles, não só pelos interesses locais como também pelo risco de fomentar o desemprego e as migrações internas.
François Godement, do Instituto Francês de Relações Internacionais, disse à "Le Nouvel Observateur" que 50 milhões de camponeses deixaram suas terras em 1993, em busca de empregos nas Províncias costeiras. Analistas ouvidos pela "The Economist" estimam que outros 10 milhões se juntaram a eles no mês passado, após o festival da colheita. Haveria 100 milhões de chineses vagando pelo país em busca de trabalho.
Não surpreende que o regime coloque a estabilidade social muito acima dos direitos humanos em sua lista de prioridades.

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