São Paulo, quinta-feira, 21 de abril de 1994
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Cesaria Evora canta com Caetano

LUÍS ANTÔNIO GIRON
DA REPORTAGEM LOCAL

Show: Cesaria Evora
Músicos: Paulinho Vieira (piano e arranjos), Toy Vieira (violão, cavaquinho, piano e vocais), Armando Tito (violão) e Osvaldo Dias (viola de 12 cordas)
Projeto: Sons do Cabo Verde
Quando: de 18 a 22 de maio, quarta a sábado às 21h e domingo às 20h
Onde: auditório do Sesc Pompéia (r. Clélia, 93, tel. 011/864-8544, Pompéia, zona oeste)
A cabo-verdiana Cesaria Evora, 52, é a cantora de maior sucesso, hoje na Europa. A "diva dos pés descalços", como é conhecida, se apresenta pela primeria vez no Brasil de 18 a 22 de maio no Sesc Pompéia, com seu prupo.
O cartaz dela é tão grande que o cantor e compositor Caetano Veloso deve participar de seu show de estréia, dia 18.
A carreira de Cesaria já tem 34 anos. Mas ela só se afirmou internacionalmente em Paris no último ano, quando seu sétimo disco, "Miss Perfumado" (selo Lusafrica, 1992), chegou às paradas de sucesso na onda da "world music". Foi o primeiro CD em língua não-francesa a ter ganho o "disco de ouro", prêmio correspondente a 100 mil cópias vendidas.
O CD está chegando agora aos 30 mil em Portugal, onde é venerada, e será lançado no Brasil pela BMG-Ariola por ocasião do show.
Cesaria canta só dois tipos de música de seu país: a morna, canção aparentada ao fado e ao samba-canção e a coladeira, música dançante de sabor caribenho.
Em entrevista exclusiva à Folha, concedida anteontem por telefone, de Paris, ela se diz porta-voz da cultura crioula do Cabo Verde – arquipélago formado por dez ilhas vulcânicas e áridas localizado na costa ocidental do Senegal cuja música popular é uma das mais ricas da África.
"A diva dos pés nus" é assim chamada porque gosta de cantar descalça. Em Paris e Lisboa já não consegue mais andar pelas ruas, um de seus divertimentos. Por isso, jura que vai se mudar em agosto para Mindelo, na ilha de São Vicente, sua cidade natal, onde conseguiu comprar uma casa.
Muito solicita, não gosta de dar entrevistas por mais de cinco minutos. Abaixo, trechos de uma conversa que durou 40.
Folha - Como é ter sucesso aos 50 anos?
Cesaria Evora - Ele chegou tarde, mas um dia chegou. Antes tarde do que nunca. Quando eu era jovem, nada. Agora eu estou mais velha, uma grogue velha. Agora minha voz é cheia de uísque, conhaque e cigarro.
Folha - Você acha que Billie Holiday tinha razão quando dizia que a cantora precisa ter vivido o que canta?
Cesaria - Concordo. Eu vivi muito e sempre cantei porque tinha necessidade. Fui cantar por gosto, por todos os cantos tem que viver para cantar.
Folha - Como você começou?
Cesaria - Desde rapariga eu ficava entre as pernas do meu pai entoando cantigas. Ele tocava violão nas reuniões do meu tio, o compositor B. Leza, que morreu em 1958 e era um dos compositores da ilha.
Folha - Você interpreta muitas mornas de B. Leza. "Miss Perfumado" é música dele. Como você conheceu a obra dele?
Cesaria - Conheço há muito tempo, embora eu não tenha tido oportunidade de participar das reuniões que fazia em sua casa em Mindelo. Era paralítico e todo mundo se reunia em torno dele. B. Leza recebeu esse apelido de um brasileiro, que, ao ouví-lo num desses saraus, comentou? "Que beleza!".
Folha - Você sempre viveu de música?
Cesaria - Sim, sempre. Comecei em 1960 na Rádio Clube de Mindelo. Não havia estúdios e um rapaz com quem eu andava, o Eduardo, que era violinista, me apresentou ao dono da rádio. Daí fiquei conhecida na ilha.
Folha - Você começou gravando compactos. Você se lembra de como foram esssa gravações e que música continham?
Cesaria - Em 1962 eu gravei um, que foi levado a Lisboa e lá fabricado. Não havia, como não há estúdios de gravação em Cabo Verde. Em 64 gravei um segundo, lançado na Holanda. Era sempre igual: de um lado uma morna, de outro uma coladeira.
Você só voltou a gravar em 1987. Por quê?
Cesaria - Eu ia gravar pra quê? Ninguém me ajudava ou se importava comigo. Eu cantava em casas noturnas até o cantor Bala me chamou para gravar com ele em Portugal. Foi então que fiz o disco "MCV" com outros cantores cabo-verdianos. Em 1988, vim para Paris, a convite do empresário José da Silva.
Folha - Você se adaptou a Paris?
Cesaria - Eu me dou bem com todo mundo. Em Paris é bom, mas não sei falar francês. Gosto mais de inglês, não sei por quê. Foi aqui que tudo aconteceu, no Olympia e no Théâtre de la Ville. Mas não quero viver aqui. Vou morar em Mindelo em agosto
Folha - Você sabia que cantoras como Bethânia e Gal gostam de cantar descalças?
Cesaria - Mas eu sou diferente. Não é só porque eu canto de pés descalços. Eu ando o tempo todo sem sapatos porque me ficam agarrados. Aliás, não privilégio meu, pois no Cabo Verde quase todo mundo anda sem sapatos porque ninguém tem dinheiro.Em Paris é difícil andar assim porque o chão é frio. No meu país a terra é muito quente.
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Sobre Cesaria Evora à pág. 5-3

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