São Paulo, domingo, 24 de abril de 1994
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A educação de um "serial killer"

WILL SELF
DO "THE NEW YORK TIMES BOOK REVIEW"

A análise que Lionel Dahmer faz de seu irremediavelmente completamente anormal com seu filho Jeffrey é particularmente desagradável de ler para um pai. Poderia ser possível dispensar "A Father's Story" (a história de um pai) como mais um exemplo de autocomiseração e autoflagelação pública, não fosse o desespero e a dor palpáveis que evidentemente emanam do texto.
Nada é mais fácil que impor uma interpretação retrospectiva a eventos. O que torna a narrativa de Lionel Dahmer tão comovente é que ele tenha perscrutar não só a alma de seu filho mas também a sua própria.
"A Father's Story" é bem direto, seguindo cronologicamente a vida do filho do nascimento e infância até sua prisão em julho de 1991, aos 31 anos (por matar e desmembrar 15 garotos e jovens para gratificar seus desejos sexuais com os corpos), e a sua condenação à prisão perpétua.
Lionel Dahmer aparece aos nossos olhos como um pai espiritual e emocionalmente ausente. Um químico que descreve sua vida emocional como "uma vasta e vazia planície", ele se enterrava no laboratório "onde as leis de ferro da ciência governavam", em vez de enfrentar o "caótico" mundo dos relacionamentos humanos, e o impacto que a desintegração de seu casamento com uma mulher seriamente depressiva deve ter tido em filho mais novo.
Os detalhes da vida de Jeffrey Dahmer –de sua crescente falta de afetividade à sua obsessão por ossos, seu alcoolismo adolescente e sua prisão por molestamento de uma criança –são grotescamente salientados. E à medida que Lionel Dahmer descreve seu filho anti-social e cronicamente mal-humorado, temos ímpeto de agarrar o escritor e sacudi-lo de seu estado ausente.
Claramene Lionel Dahmer não é um escritor profissional, e o texto guarda evidências de ter sido bastante editado. Se isto faz ou não de sua publicação um ato totalmente venal, é difícil julgar. Claramente Lionel Dahmer acrerdita estar agitado de boa-fé, mas de acordo com ele, isso foi o que sempre fez.
Lionel Dahmer escreve sobre um sonho recorrente, no qual ele tem a consciência de ter cometido um assassinato violento, mas sem saber o porquê, e depois identifica o fato como um desejo homicida oculto, que ele compartilha com seu filho.
Eu tenho um sonho recorrete muito semelhante a este, e aposto que muitos dos que me lêem também tem sonhos assim. "Eu vejo e ouço meu filho", escreve ele em outro momento. "E penso, 'eu sou assim também'?"

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