São Paulo, sexta-feira, 29 de abril de 1994
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Dolores de Pança lança ação contra o beijo

BARBARA GANCIA
COLUNISTA DA FOLHA

Por conta de uma mania tapuia das mais fétidas, na tarde de domingo saí do Pavilhão da Bienal –onde rolou o coquetel de inaguração da mostra "Bienal Brasil Século 20"– à beira de uma crise de choro.
Não, minha alteração emocional nada teve a ver com as porcas caixas remendadas com fita crepe que abrigam as esculturas de Brecheret. Também não foi desencadeada pelos flashes irresponsáveis que espocavam sobre celebridades como Lillian Witte Fibe e Paulo Maluf, sem levar em conta os danos que podem vir a causar em obras quase centenárias. Afinal, a despeito dos desacertos, a simples realização de uma mostra do porte da "Bienal Brasil" já é amplo motivo para celebração.
O que me deixou tiririca da silva foi "otra cosita". Foi esse hábito nauseabundo de cumprimentar conhecidos aos beijos e abraços.
Não existe nada mais asqueroso do que adentrar um vernissage qualquer e ser castigada pelo beijo de algum repelente gordão suado, com hálito azedo de vinho de quinta categoria. Não existe nada mais deprimente do que ser forçada a cumprimentar outra pessoa, logo após ter sido vitimada pelo gordão, sem ter tido a oportunidade de limpar o suor do ruminante da própria face. Haja Kleenex!
Dizem que vem dos bárbaros o hábito de se estabelecer contato físico ao cumprimentar. Para estes meus gloriosos antepassados, estender a mão era prova de que não se estava armado de um punhal para ferir.
Em matéria de cumprimentos civilizados, os britânicos são campeões. Eles não estendem nem mesmo a mão. Até para os íntimos, limitam-se a um polido "How do you do?".
Comentei com minha amiga espanhola, Dolores de Pança, a profusão de beijos melados que massacraram minhas aveludadas bochechas na Bienal. Ela subiu nos tamancos flamencos. "É por essas e outras que a gente acaba pegando uma micose na chica e depois não sabe explicar por quê", bradou a espanholita.
E propôs que eu desencadeasse nesta coluna uma campanha nacional contra saudações lambuzadas. Taí, gostei da idéia! Alô, vítimas do abuso oscular do Brasil! Façam como eu! Em sinal de protesto, de hoje em diante, quem me cumprimentar com beijo suado leva uma muqueta no focinho. Viva Howard Hughes!

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