São Paulo, sexta-feira, 29 de abril de 1994
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Uma causa sem aliados

WALTER BARELLI

Quando se quer demonstrar o quão baixo é o salário mínimo em vigência no país –equivalente a US$ 64 não é necessário confrontá-lo com valores do Primeiro Mundo. Basta verificar o que acontece no vizinho Paraguai. Lá, a menor remuneração é quase o triplo disso. Nos países mais desenvolvidos da África, como a Nigéria, o mínimo fica em torno de US$ 100. É vergonhoso.
No entanto, ninguém no Brasil luta por um salário mínimo maior. Existe uma comissão interministerial que estuda uma forma de elevar o salário mínimo para o patamar africano de US$ 100. Mas este assunto não é pauta para as centrais sindicais. Nenhuma delas faz algum tipo de pressão sobre a comissão.
Quando era ministro do Trabalho, chamei os líderes do sindicalismo a apresentar suas posições. Todos fizeram suas propostas. Depois se recolheram, como se a causa já estivesse resolvida.
A classe média, por sua vez, tem muito medo do salário mínimo. Em suas casas, existe a empregada doméstica. Os que moram em prédio têm de conviver com as despesas de condomínio. Esquecem-se de que o salário mínimo é antes de tudo uma questão ética e não apoiam a idéia do aumento.
Os operários não ganham salário mínimo e, por isso, não se importam muito com o seu valor. Pesquisas do Seade no mercado formal da Grande São Paulo mostram que apenas 2,7% dos trabalhadores ganham um salário. Se for computada a empregada doméstica a taxa sobe para 3,9%. Na maioria das categorias profissionais, os pisos salariais variam entre dois e cinco salários.
Na área pública, a questão é um problema da Previdência Social, que está numa armadilha. A Previdência pode equilibrar suas contas desde que pague muito mal aos que contribuíram muito mais. É um sistema cínico. As pessoas que recebem baixas aposentadorias e pensões são as que, no passado, receberam um salário muito maior que o de hoje.
Estados e municípios do Nordeste, que, na maioria dos casos, sequer pagam o salário mínimo de US$ 64 a seus servidores, certamente não vão começar a pagá-lo quando o valor estiver em US$ 100. Portanto, a capacidade de pagamento deles não pode ser considerada restrição.
A comissão ouviu as principais confederações do empresariado nacional. Apesar de já pagarem mais de um salário, os bancos poderiam ter uma posição ativa. No entanto, a Febraban se omitiu, sinalizando que esse não é um assunto que interessa aos banqueiros.
Das demais quatro confederações, a CNT (transportes) foi a mais positiva, apoiando a idéia. O menor salário, pago ao ajudante de caminhão, corresponde a 1,5 mínimo. O motorista de ônibus ganha quatro salários. Portanto, um aumento de 50% não faria diferença.
A Confederação Nacional da Agricultura também não faz restrições ao aumento. Avalia que o ganho de poder aquisitivo resultará no incremento do consumo de produtos agrícolas, embora possa pesar em algumas lavouras de subsistências, que empregam grande quantidade de mão-de-obra, pressionando o custo de produtos da cesta-básica.
A Confederação Nacional do Comércio foi radical. Disse à comissão que o governo não deveria controlar nem o salário mínimo. A Confederação Nacional da Indústria aceita o aumento, desde seja realizado de maneira progressiva, em doses homeopáticas.
Parece que a sociedade não está convencida de que o aumento da renda dos mais pobres é uma questão urgente a ser resolvida. Dessa forma, não se pode atribuir a quem quer que seja a responsabilidade por um eventual fracasso dessa nova tentativa de se elevar o salário mínimo. Esta é uma causa sem aliados.

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