São Paulo, sexta-feira, 29 de abril de 1994
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A comunidade próspera

ROBERT D. PUTNAM

São situações familiares a muitos países. Os pais querem melhores oportunidades educacionais para seus filhos, mas inexistem esforços colaborativos para melhorar as escolas públicas; os moradores das grandes cidades querem mais segurança, mas não há ação coletiva para controlar o crime; os lavradores precisam de mais irrigação e melhor comercialização, mas os esforços cooperativos são frágeis.
Na análise desses dilemas da ação coletiva, os cientistas sociais estão usando um novo conceito; o de capital social. Por analogia com as noções de capital físico e humano, o "capital social" refere-se a traços de organização social, tais como redes, normas e confiança, que facilitam a coordenação e cooperação para o benefício mútuo. O capital social aumenta os benefícios dos investimentos em capital físico e humano.
Um estudo realizado durante os últimos 20 anos sobre as diferenças entre os novos governos regionais da Itália demonstra a importância do capital social.
Como era de se esperar, alguns desses governos revelaram-se um fracasso total: ineficientes, letárgicos e corruptos. Outros alcançaram êxitos notáveis, criando creches, clínicas familiares e centros de treinamento inovadores, promovendo o investimento e o desenvolvimento econômico, fazendo uma administração eficiente e satisfatória para seus eleitores.
A diferença decisiva entre eles era a presença, nos bem sucedidos, de uma forte tradição de engajamento cívico: participação nas eleições, leitura de jornais, associação em sociedades corais e círculos literários, Lions Clubes e clubes de futebol.
Algumas regiões da Itália, como a Emilia-Romagna e a Toscana, possuem muitas organizações comunitárias ativas. As redes e políticas são organizadas horizontalmente, não hierarquicamente. Essas "comunidades cívicas" valorizam a solidariedade, a participação e a integridade. E nelas a democracia funciona.
Ao contrário, em regiões como a Calábria e a Sicília, o próprio conceito de cidadania é desprezado. Seus habitantes acham que os negócios públicos são assunto para os outros –"i notabili"– os "chefões", os políticos. As leis, quase todo mundo está de acordo, foram feitas para serem descumpridas, mas com medo da criminalidade, todo mundo exige leis mais rígidas. Presos neste círculo vocioso, quase todos sentem-se impotentes, explorados e infelizes. Como não poderia deixar de ser, o governo representativo é aqui menos eficaz do que em comunidades mais cívicas.
As comunidades do norte da Itália têm uma longa tradição de participação cívica e solidariedade social. Elas não se tornaram cívicas porque eram ricas, mas o contrário: tornaram-se ricas porque eram cívicas. O capital social incorporado em normas e redes de engajamento cívico parece ser uma pré-condição do desenvolvimento econômico, bem como do governo eficaz.
De que forma o capital social alicerça o bom governo e o progresso econômico? Primeiro, as redes de participação cívica engendram normas fortes de reciprocidade generalizada. Uma sociedade baseada na reciprocidade generalizada é mais eficiente do que uma sociedade desconfiada, pelo mesmo motivo que o dinheiro é mais eficiente que o escambo. Elas também facilitam a coordenação e comunicação e amplificam a informação sobre a confiabilidade das outras pessoas, reduzindo os incentivos ao oportunismo e ao mau comportamento político. E por fim, elas incorporam os êxitos de colaboração do passado, que podem servir de modelos culturais para a colaboração futura.
O sociólogo James Coleman conclui: "Como outras formas de capital, o capital social é produtivo, tornando possível a realização de certos objetivos que não seriam alcançados em sua ausência".
Estoques de capital social, tais como confiança, normas e redes, tendem a se auto-reforçar e acumular. A colaboração bem sucedida em um empreendimento constrói conexões e confiança –ativos sociais que facilitam a colaboração futura em outras tarefas. Tal como no capital convencional, quem tem capital social tende a acumular mais –quem tem, ganha.
Em todo o mundo, o capital social começa a ser considerado como um ingrediente vital do desenvolvimento econômico. Mas não constitui um substituto para políticas públicas efetivas: é antes um pré-requisito e, em parte, uma consequência delas.
Como sugere nosso estudo da Itália, o capital social trabalha através e com os Estados e mercados, não em lugar deles. Uma política bem orientada pode estimular a formação de capital social que, por sua vez, aumenta a eficácia da ação governamental.
A abordagem que leva em conta o capital social promete revelar novas maneiras de combinar a infra-estrutura social privada com políticas públicas que funcionem e, por outro lado, de usa políticas públicas bem orientadas para revitalizar os estoques de capital social.
"Capital social e federalismo" será o tema da palestra que farei em São Paulo, no próximo dia 10 de maio, durante Conferência Internacional sobre "Governabilidade: países grandes e a economia política de escala", promovido pelo Instituto Fernand Braudel de Economia Mundial, no Teatro da Fundação Armando Alvares Penteado.

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