São Paulo, sexta-feira, 29 de abril de 1994
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Quem é a direita de quem?

RUTH ESCOBAR

Nenhum tema parece tão polêmico, nesta semana final de abril, do que a política de alianças do PSDB para as próximas eleições.
Polêmica entre intelectuais e entre dirigentes partidários, do próprio PSDB e de outros partidos –ela extravasa esses círculos mais ou menos estreitos e interessa a cidadãos comuns que, como eu, vivem mais um momento decisivo para nossa democracia e para nossa economia.
E como ainda não foi outorgado à Maria da Conceição Tavares o monopólio do pensamento ao sul da Ilha da Madeira, quero também deixar a marca de meus tamancos nesse areal.
A polêmica maior –na qual é difícil distinguir entre ciência e ideologia política– centra-se na suposta direitização da candidatura e –possivelmente– do governo Fernando Henrique, por força de uma quase definida aliança com o PFL.
Os críticos teóricos e práticos já vêem o PSDB refém da "direita", em um processo que começaria na campanha e culminaria na tutela do futuro governo por Antônio Carlos Magalhães.
Gostaria de lembrar que a democracia é um regime político caracterizado pela formação de maiorias com vistas à obtenção de determinados resultados. Não me consta que o PT, por exemplo, em sua busca de maiorias, tenha previamente definido que tipo de votos aceitaria ou que tipo de votos recusaria. Ao contrário.
Quando o prefeito Paulo Maluf anunciou que permaneceria na Prefeitura, um "frisson" percorreu os petistas e extravasou para os jornais, na expectativa da próxima pesquisa do Datafolha: que percentual de votos "malufistas" migraria para o PT.
Se Maluf representa determinadas forças sociais, como interpretar a alegria do PT pelos 40% de votos malufistas que a referida pesquisa mostrou terem ido engrossar o eleitorado de Lula? Será que o partido recusará esses votos ou se refugiará na tese da alienação? Mas, então, onde pára o caráter revolucionário da proposta petista? O mesmo pode ser dito de decisão dos petistas do Ceará, de apoiar a candidatura ao governo estadual exatamente de Tasso Jereissati, presidente do PSDB.
Se as forças sociais que dão suporte ao PFL são, organicamente, as mesmas que dão suporte a Paulo Maluf, fica difícil distinguir em que ponto os votos malufistas migrados para o PT são melhores ou piores do que os votos pefelistas direcionados para o PSDB. E se assim é, fica mais difícil para a cúpula do PT entender por que os "companheiros" do Ceará apostam nas forças sociais que dão suporte ao PSDB, apesar de ele se coligar com o PFL em nível federal.
A conclusão é clara: o PT engatinha na própria questão teórica da representação democrática, o que faz temer pelo seu entendimento prático de tudo o mais....
Pode-se argumentar que as forças sociais lideradas eleitoralmente pelo PFL e por Maluf representam o mercado orgânico da tal "direita". Mas, nesse caso, o que as faz migrar justamente para a "esquerda" representada por Lula e Fernando Henrique?
A meu ver, este não é fenômeno inventado, arbitrário ou meramente intelectual, mas sim expressa um fato que se persiste em não ver: o de que a "direita" tradicional no Brasil não tem candidaturas orgânicas à Presidência da República desde 1985 e possivelmente até antes.
Para mim, este é o fato básico. Se o perigo de direitização corresponde à correlação de forças sociais, então Maluf seria candidato, ACM seria candidato. No entanto, o processo social –e político– tem caminhado no sentido inverso.
Maluf armou um arco de alianças à esquerda na Prefeitura que deu uma nova feição ao seu mandato, e ACM (a par aplaudido por segmentos à esquerda) também sabe ser impossível alargar a base social à direita e, portanto, não é candidato.
De outro lado, é impossível esquecer o fato de que o PT é, hoje, o legítimo herdeiro do direitismo e do corporativismo de Estado implantado pelos militares ou por eles tolerado.
É difícil pensar nos sovietes estatais petistas liderando uma revolução social contra o Estado burocrático e monopolista que eles próprios consubstanciam. No entanto, são essas as forças sociais que dão suporte ao PT e, por capilaridade, engrossam sua legião de eleitores nos grotões marginalizados.
No meu modo de entender, o refúgio da "direita perigosa e reacionária" chama-se Orestes Quércia. Na medida em que ele for derrotado, haverá mais um estreitamento do suporte político das forças sociais que ele representa com perfeita simetria. Menor, portanto, o perigo da tal direitização de um eventual –e desejado– governo presidido por Fernando Henrique.
Já no caso do PT a consequência seria o exato contrário: suas forças sociais de suporte empurrariam um governo Lula para alianças à direita –a começar do Congresso– forças essas que, não sendo as do PFL e do PPR (liberais), só poderiam ser as representadas por Orestes Quércia.
Posso estar enganada mas –ao largo da disputa eleitoral– essa aliança orgânica já é um fato, em termos de forças sociais. O que faz de Quércia a verdadeira direita do PT.

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