São Paulo, quarta-feira, 4 de maio de 1994
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Pistas devem continuar perigosas

EDUARDO VIOTTI
EDITOR DE VEÍCULOS

O tricampeão mundial de Fórmula 1 Nélson Piquet, 42, permanece fiel ao velho estilo. Para ele, correr de automóvel é algo "romântico" e pistas perigosas devem ser mantidas no calendário, sob o risco de a categoria principal do automobilismo mundial "perder totalmente a graça".
Piquet foi o entrevistado de anteontem à noite no programa "Roda Viva" da TV Cultura de São Paulo, que contou com a participação da Folha.
Na entrevista, o ex-piloto de F-1 confirmou que a regra não-escrita da competição é a remoção do corpo de um piloto, mesmo que morto no local, para o hospital.
Oficialmente, afirmou Piquet, o piloto morre no hospital. Segundo ele, se a morte do piloto é constatada na pista, a corrida pára, e o espetáculo do circo da F-1 é interrompido.
Disse ainda que a equipe Williams jamais vai admitir que houve falha mecânica no carro.
Mesmo assim, Nélson Piquet disse não ter nada a criticar em relação aos dirigentes da modalidade. Para ele, não há necessidade da criação de uma associação de pilotos e não é urgente a mudança nos regulamentos.
"A F-1 é o que é, os pilotos têm cada vez mais projeção e ganham cada vez mais por causa dos cartolas", afirmou.
Segundo o tricampeão, não há qualquer relação de causa e efeito entre o fim-de-semana mais trágico da história recente da F-1 e as recentes mudanças no regulamento da competição.
Imola, a terceira corrida da temporada, foi a primeira pista realmente rápida a receber os carros mais velozes da Fórmula 1 com pneus mais finos, sem suspensão inteligente e sem controle eletrônico da tração.
Para ele, as mudanças foram benéficas. "O que saiu foram equipamentos que tornavam mais fácil guiar o carro. Não eram equipamentos de segurança", afirma.
Piquet descarta categoricamente a possibilidade de o acidente que matou Ayrton Senna ter sido causado por falha humana. Ele sofreu um acidente no mesmo local, também com um Williams e no dia 1º de maio, em 1987.
"Tamburello (nome da curva onde ocorreram as batidas) não é propriamente uma curva. É uma reta torta. Mesmo com chuva, é feita com o pé no fundo. Não tem jeito de errar", afirmou.
Para Piquet, a existência de colunas de pneus ou de uma caixa de brita (piso de pedras pequenas soltas) no local "não iria adiantar absolutamente nada".
O tricampeão disse que Senna não falharia ali. "Ele era um cara jovem, bem preparado fisicamente e psicologicamente. Se estava preocupado, era com a possibilidade de perder o GP para Schumacher, o que o deixaria em má situação no campeonato."
Quanto à questão da segurança da pista italiana onde é realizado o Grande Prêmio da República de San Marino (que não dispõe de autódromo), Piquet disse que o risco faz parte da profissão.
"Se o piloto não quer correr riscos, pode pegar as suas coisas e voltar para casa, mudar de profissão", afirmou.
Para ele, o perigo é parte também do espetáculo. "Por quê você acha que todo mundo quer ver as largadas?", pergunta. "É para ver o circo pegar fogo mesmo", responde.
Mesmo reconhecendo que há dias em que a disposição para largar é muito pequena, Piquet descarta a possibilidade de um piloto profissional recusar-se a participar de um GP por questões psicológicas, como medo ou depressão.
"Você tem medo de situações específicas, como uma largada. Pode haver um acidente e você vai bater, a pista se fecha e não há escapatória", disse.
"O que não dá é para um profissional se recusar a sentar no carro de corrida. O Senna nunca faria isso", disse.
"Já fiquei com vontade de largar a Fórmula 1 e não voltar mais. Mas não por medo. Fiquei de `saco cheio' de não ter um lugar fixo, de ter minha casa, meus cachorros", disse.
Ele garantiu que se seu filho Geraldinho estivesse na disputa do campeonato deste ano não o chamaria de volta ao Brasil. "O importante é que se esteja fazendo o que gosta", disse. Longe das câmeras, completou "é melhor que ficar fumando maconha por aí".
"Se não, vira tudo corridinha de `Mickey Mouse', aquela coisinha japonesa de uma curvinha para a esquerda, uma curvinha para a direita, retinhas curtas. Aí não tem graça de pilotar", brincou.
Para ele, se for para acabar com a corrida italiana, outras pistas também devem ser sacrificadas, como Adelaide, na Austrália, Monte Carlo, em Mônaco entre outras.
Se Piquet não tem nada a reclamar dos dirigentes do circo internacional do automobilismo, acha que pouca coisa está sendo feita em proveito do automobilismo nacional.
"O negócio é investir em categorias regionais. Se no Sul tem rali, tem que incentivar rali. Os caras só querem saber de trazer corridas internacionais, F-1 e mundiais de motociclismo. Por quê? Porque dá dinheiro".
Correndo de kart –"por puro prazer de guiar", garante–, Nélson Piquet sustenta que não vai mais voltar às pistas como profissional.
"Já recebi propostas para correr de carros de turismo (feitos a partir de carros de passeio) na Alemanha. Agora quero correr quando tiver vontade. Quero poder chegar e dizer: Hoje eu não corro".
O piloto pretende disputar duas corridas de longa duração (24h) nos próximos dias. Segundo diz, como amador.

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