São Paulo, quarta-feira, 4 de maio de 1994
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Meninas baianas trocam panela por timbau

FERNANDA SCALZO
DA REPORTAGEM LOCAL

"Não é feminista, não. É feminina." Esta frase é como um coro que se ouve tanto das meninas da banda da escola Didá como das garotas da Bolacha Maria.
Mas se a palavra "feminismo" incomoda hoje em todos os cantos do país, as idéias feministas estão com tudo em Salvador.
As duas bandas, Didá e Bolacha Maria, se formaram no fim do ano passado. Tiveram seus cinco minutos de celebridade no último Carnaval, mas prometem emplacar definitivamente.
Didá (que em ioruba significa "ato de criação") é uma escola de música criada no Pelourinho por Neguinho do Samba, 38, mestre do Olodum. A banda das meninas é uma das atividades da escola.
A banda Bolacha Maria, criada por Carlinhos Brown, mestre da Timbalada, reúne garotas de 15 a 21 anos, a maioria delas da comunidade de Candeal de Brotas, outro bairro pobre de Salvador.
Criadas por homens, na esteira do "boom" dos blocos baianos, as bandas femininas se dedicam agora a buscar sua "identidade".
"Quero que elas se preocupem com o que vão dizer. Que não fiquem só no axé por axé, no modismo", diz Kátia Drumond, 30, orientadora da Didá.
"Não acho que a banda deva ser feminista, mas tem que ver com seriedade os problemas da mulher", diz Kátia.
O nome Bolacha Maria vem, segundo Carla Fabianny, 28, coreógrafa da banda, da "idéia de dar uma bolachada no preconceito".
Carla diz que a escolha dos instrumentos e das composições da banda deve também se orientar pela "valorização do feminino".
A Bolacha Maria, além dos tradicionais tambores e caixas, usa atabules (atabaques com asa e bico de bule) e tampas de panela.
As duas bandas apresentam composições próprias, criadas pelas meninas. Andréia da Luz, 19, e Hattinely Santos, 19, são compositoras e cantoras da Bolacha (leia letra nesta página).
"Daniela Mercury e a banda Capricho já procuraram a gente para ouvir as músicas", diz Andréia, que não pretende deixar a Bolacha Maria tão cedo.
Para as cerca de 80 integrantes de cada uma das duas bandas, o trabalho que fazem nos ensaios é visto com seriedade profissional.
"É uma diversão e, mais ainda, uma coisa séria. Quero levar isso adiante como uma profissão minha", diz Elisangela da Silva Gomes, 21, integrante da Didá.
"Essa banda para mim significa o futuro, minha profisão, e eu pretendo brilhar nela", diz Rosa Baiana, 32, cantora da Didá.
"Achei super importante esse espaço que o Neguinho deu para as pessoas que não tinham condições de lidar com a música. Porque você gasta muita grana para fazer qualquer coisa com música hoje. A banda de mulheres é forte, diferente, e eu penso em me profissionalizar", diz Luciana Moutinho, 17.
"Ninguém está aqui à toa. A música faz parte de minha vida e saber que eu podia encarar e ir para frente, é mais que uma profissão para mim. Se um dia eu for embora daqui, não vai ter outro lugar para mim", diz Jucy Leide Jesus Pereira, 18, cantora e compositora.
A maioria das meninas estuda ou trabalha, ou estuda e trabalha. Enfrentam, segundo elas, preconceitos, maridos, pais ou filhos para não faltarem aos ensaios.
"Não é fácil carregar um instrumento de dez ou doze quilos no corpo. Mas todas fazem por prazer. Têm seus problemas, lavam roupa, cuidam de casa. Mas estão mostrando que são capazes de fazer", disse Vivian Queiroz, 17, da Didá.
A Bolacha Maria participa no próximo domingo de uma caminhada em defesa do parto na água. No Dia Internacional da Mulher e no Dia das Mães as duas bandas saíram pelas ruas de Salvador e participaram das comemorações.
"A banda feminina é como se fosse o cartão postal da escola Didá. Trabalhamos a mulher, o que ela é capaz. Vamos invadir o mundo da percussão", disse Adriana Portela, 23.
Segundo as meninas, é o jeito de tocar, de dançar, de arrumar o cabelo e de cantar que vai marcar a diferença entre as bandas femininas e masculinas. Todas concordam que ainda estão aprendendo e que quando estiverem no ponto terão algo de novo para mostrar.
"Ainda há muito preconceito. A mulher tem o direito de fazer o que quiser, principalmente tocar percussão, dançar e fazer melhor", disse Arlinda de Oliveira, 16.
"Estamos trabalhando para isso. Para um dia chegar no Japão, na Europa, nos EUA. Estamos com a bola toda", diz Sandra Regina, 23.
Além do "jeito que Deus dá", parece que tem muita vontade.

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